Bengt Vyldeke (Birger Malmsten) é um talentoso pianista da alta sociedade sueca. Durante seu período no serviço militar, o jovem é atingido por tiros e acaba ficando cego. Devido seu estado, ele passa a receber cuidados na casa da sua tia Beatrice Schröder (Naima Wifstrand), completamente amargurado com sua condição, além da rejeição da noiva, o músico se recusa a tentar seguir a vida. Ele, então, conhece a inocente Ingrid (Mai Zetterling), filha de agricultores, depois do pedido da tia para tocar órgão na missa fúnebre do pai da garota. Os dois passam a criar um laço forte de suporte mútuo. Contudo, devido a mal-entendido, eles seguem rumos distintos. Bengt vai para cidade tocar piano em um restaurante, e Ingrid entra para formação de magistério. Tempos depois, pelo acaso do destino, o casal se reencontra novamente, dessa vez se rendendo ao amor.

O longa-metragem é uma adaptação do romance de mesmo nome da escritora Dagmar Edqvist, exibido no Festival de Veneza de 1948, ele foi bem recebido pela crítica na época, e contou de relativo sucesso de bilheteria. Segundo Bergman, não houve qualquer pretensão autoral na execução do filme, sua produção partiu de uma oferta de Lorens Marmstedt, produtor dono dos direitos do livro, que o aconselhou a produzir algo com algum sucesso comercial a fim de garantir recursos para seus próximos trabalhos.

Desprovido de engajamento artístico e das inspirações intimas nos dramas psicológicos, quase sinônimo do cinema bergmaniano, a única ambição do diretor era manter a coisa interessante. Objetivo no qual o cineasta tem êxito, o romance entre os protagonistas em “Música na Noite” tem apelo muito maior que os anteriores. Mesmo com uma história convencional, desenvolvida à lá comédias românticas onde o mocinho e a mocinha após tantos desencontros ficam juntos no final, exatamente o que acontece aqui, mas não só isso, é a simpatia dos personagens responsável por preencher qualquer lacuna “na falta” de elemento autoral.

Contudo, a obra não se exime por inteiro da assinatura do diretor, é a tentativa de superar a cegueira pelo protagonista Bengt que bem exprime as pitadas de Bergman. Na cena inicial, imediatamente depois de ser atingido nas trincheiras, o pianista vive uma sequência angustiante de delírios causada pelo confrontamento do personagem com a possibilidade de morte. Esse momento estampa bem o enigma psicológico de Bergman em tratar dos conflitos relativos ao eu.

O filme explora de maneira interessante a condição de pessoas com deficiência, bem como a sociedade lida com elas e, principalmente, como esses indivíduos entendem sua realidade distinta. Mesmo sem entrar muito afundo no tema, o enredo não fica preso à superficialidade. “Música na Noite” é um bom exemplo de filme essencialmente comercial, bem-sucedido à sua maneira, na filmografia autoral de Bergman. A obra é pertinente ao retratar a ansiedade dos jovens nas suas questões, seja Bengt lidando com sua nova realidade ou Ingrid lutando por algum lugar ao sol.


PORTO (HAMNSTAD), 1948

Quinto filme de Ingmar Bergman, “Porto”, mais uma vez o diretor bebe diretamente do neorrealismo italiano, especialmente do cinema de Roberto Rossellini, para contar uma trama social bem controverso para a época do seu lançamento. O enredo baseado em tópicos sensíveis ainda nos dias atuais, aborda temas intimamente relativos a resistência da classe operária, bem como a condição da mulher em assuntos como aborto ilegal, suicídio, também problemas familiares, elemento muito presente nas obras do cineasta.

O drama é centrado na jovem operária Berit Holm (Nine-Christine Jönsson), com comportamento fora dos padrões, que a colocou em um reformatório por meses, a adolescente tenta lidar com os reflexos da relação lesiva com a mãe. Logo após atentar contra a própria vida ao se jogar no gelado mar nórdico, a garota conhece Gösta (Bengt Eklund), novo trabalhador das docas da cidade portuária, os dois de cara revelam interesse recíproco, mas o passado da garota se revela grande empecilho para a evolução do relacionamento.

Resultado de uma infância marcada por um lar abusivo, a ânsia por liberdade de Berit vem da dominância da mãe e da sociedade que condena sua conduta livre quanto ao próprio corpo e seu destino. A depressão, reflexo do relacionamento conturbado dos pais, culmina ao ponto de a adolescente tentar suicídio logo na primeira cena do longa. Por sua vez, Gösta não tem muito do seu passado revelado, sabe-se ser um homem que gosta de literatura, e como ele mesmo diz “com altos e baixos”. Apesar de demonstrar certo entendimento para adolescente, o marinheiro fica desorientado ao descobrir o passado de Berit, sobretudo os homens com quem ela se relacionou nesse período.

Em determinados pontos a narrativa desliza em tratar dos temas. O amante é colocado como a salvação da jovem desajustada, mesmo exibindo a ideia de reconstrução no desfecho, a possiblidade de uma nova chance, elemento trabalhado com mais coerência em “Chove Sobre Nosso Amor”, aqui parece enfatizar muito mais a presença do homem para tornar isso possível, do que realmente um trabalho conjunto de reconstrução. O que contrapõe outras atitudes de Holm, o seu discurso liberal quanto a morte da amiga submetida a um procedimento clandestino de aborto pela sua limitação social, destaca bem o ideal seguido, mas perdido no desenrolar da narrativa.  Nas palavras dela, “os que não tem meios devem conseguir de alguma forma. É o risco que assumem.”.

O filme representa diversos assuntos de “libertação”, mas acima de tudo é uma observação atenta, ainda que imperfeita, daqueles mantidos nos subníveis sociais e seus anseios. Apesar de cair em alguns clichês ou incoerências ao longo do filme, “Porto” é uma interessante amostra do uso das influências, inspirações no processo de formação do cineasta, quando ele afirmava ainda não ter nada seu para oferecer, principalmente por apresentar conceitos nada datados de questões ainda em voga.

CURIOSIDADES

  • Na cena final de “Música na Noite”, o diretor faz uso da marca registrada de Hitchcock em fazer breves aparições em seus filmes, é possível ver um jovem Bergman como passageiro do trem, que logo sai de tela com a presença dos protagonistas.
  • Posteriormente, Bergman revelou ter odiado o romance do qual “Música na Escuridão” é adaptado. Com um ultimato do produtor do filme sobre a oferta, o cineasta acabou conhecendo a autora e escrevendo o roteiro em parceria com ela.