Sob vários aspectos, Bright é um sucesso para a Netflix apenas por existir. Trata-se de um filme que poderia estar nos cinemas, e estaria se tivesse sido lançado há uns, digamos, cinco anos atrás. É uma produção grande – consta-se que o orçamento ficou na casa dos 90 milhões de dólares. É estrelado por um dos maiores astros do cinema atual, Will Smith. E a mistura de gêneros que o filme tenta realizar – no caso, uma narrativa policial com fantasia e criaturas estranhas – é do tipo de coisa que as grandes plateias geralmente curtem. O simples fato de Bright existir não como lançamento da tela grande de algum grande estúdio, mas sim como o último filme de grande destaque a ser disponibilizado em 2017 pelo maior serviço de streaming do mundo, diz muito sobre como a indústria hollywoodiana mudou de alguns anos para cá e sobre o momento em que vivemos. Portanto, parabéns Netflix, vocês estão indo bem, moldando a nossa cultura cinematográfica. Estamos presenciando o futuro do cinema neste momento. E não há cinismo aqui, esse é o futuro mesmo e não acho uma coisa ruim.

Mas quanto ao filme… Vocês precisavam mesmo colocar o projeto nas mãos do mesmo cara que fez Esquadrão Suicida (2016), o pior filme do ano passado?

David Ayer, o cidadão que dirigiu aquela bagunça, fez pelo menos dois filmes bacanas na vida, é verdade: o bom Os Reis da Rua (2008) e o intenso Marcados para Morrer (2012). E também é verdade que a culpa por Esquadrão Suicida não é só dele, o estúdio Warner Bros. meteu os pés pelas mãos e atrapalhou muito o cineasta. Mesmo assim… No restante da filmografia dele só tem besteira e parece que Ayer está piorando com tempo. Bright é melhor que Esquadrão, ainda bem. Mas é só um pouquinho melhor. Um bocadinho de nada. E agora ele não tem a Warner para culpar…

Ambientado numa Los Angeles alternativa, onde humanos convivem com criaturas como fadas, elfos e orcs, Bright é centrado na dupla de policiais que vivem naquele universo. Ward (Smith) e Jacoby (Joel Edgerton) são parceiros que não se dão bem – ele é humano, ele um orc – mas se respeitam. Numa noite, o relacionamento deles e suas vidas são postas à prova quando encontram uma misteriosa elfa (Lucy Fry) e a varinha em sua posse, o artefato mais poderoso naquele mundo, e passam a serem perseguidos por membros de gangues, policiais e outras criaturas.

Bright representa, para Ayer, a oportunidade para aliar as características das suas narrativas policiais de ação mais bem sucedidas com os elementos fantasiosos com os quais ele brincou em Esquadrão Suicida. Mas a mistura resulta insossa. Primeiro, o roteiro de Max Landis é previsível – quase tudo que você imagina que vai acontecer, acontece, no filme. A única coisa que não se pode prever durante a história é a falta de química entre Smith e Edgerton. Sério, Ward e Jacoby estão muito longe de serem Riggs e Murtaugh: o antagonismo deles dura uns cinco minutos; depois, o fato de Ward se arriscar pelo amigo orc num momento decisivo da trama parece inverossímil, mais uma necessidade da trama funcionar nos seus termos do que uma decisão orgânica de personagem. E, incrivelmente, os momentos cômicos entre os dois resultam sem graça. Edgerton tem poucas chances de deixar transparecer um pouco de carisma através da maquiagem – seu personagem é meio chato, na verdade – e Smith nem se esforça mais, parece ter desistido de procurar por projetos interessantes e dignos do seu talento, e hoje se limita a fazer filmes “com os amigos”.

Landis é, afinal, um filho da cultura pop – seu pai é o cineasta John Landis, também bastante versado em cultura pop. E seu roteiro esquemático apenas faz uso de arquétipos e coisas que já vimos antes. Policiais que se odeiam no início, orcs ou fadas não são mais esquisitos, são clichês – num momento emblemático, e revoltante, Landis coloca na boca de Jacoby a fala “Ainda acho que fadas são legais” quando não são mais, de tanto que já foram usadas. É uma tentativa do filme de dar uma piscadela na direção do espectador e fazê-lo rir do que acabou de ver. Landis merece boa parte da culpa por Bright com seu roteiro frouxo – existe uma cena inacreditável no filme no qual um dos heróis derruba a varinha, o MacGuffin crucial da história, apenas em prol de um efeito visual. E em outro momento crucial, uma coincidência enorme usada para salvar um dos personagens é tão jogada no filme que faz o “Momento Martha” ™ parecer digno de Shakespeare. Até o subtexto racial do filme, que poderia ser um diferencial do projeto, é abandonado pelo roteiro depois da meia hora inicial.

E Ayer só piora as coisas. A cena que mostra Smith atirando em câmera lenta ao som de uma canção bobinha é o momento definidor da carreira do cineasta até momento. O cineasta outrora interessante que fez Marcados para Morrer sumiu, foi substituído por um diretor videoclipeiro que só quer lançar “efeitos mudernos” e “cenas legais” na direção do espectador. As cenas de ação em Bright são incoerentes e confusas e ele nem filma mais seus atores direito: demora uns bons trinta minutos até conseguirmos ver direito a cara da atriz Lucy Fry, e quando a vemos, ela parece uma prima da Margot Robbie, até na cor do cabelo… Parecia até que o filme queria fazer um mistério com isso, mas não era o caso. A paleta de cores é a mesma de Esquadrão – tudo marrom, verde-escuro e preto – e a condução dos atores é meio inexistente. Noomi Rapace está no filme para pagar umas contas e Edgar Ramírez também, mesmo que seu personagem não sirva para nada e pareça estar apenas sendo guardado para a continuação. Filmes da Netflix também sofrem com os mesmos vícios dos de cinema, aparentemente.

Bem, esses vícios atraem muita gente, no fim das contas… E, vamos lembrar, Esquadrão Suicida rendeu uma cacetada de dinheiro, então talvez Ayer e a Netflix estejam certos e eu errado. Afinal, Bright já está com uma continuação assegurada. Ano que vem, o futuro do cinema continua com The Irishman, novo filme de Martin Scorsese também produzido e exibido pela Netflix. Tenho a forte impressão de que será melhor que Bright.