O grande cinema norte-americano busca constantemente fórmulas para garantir sua supremacia, e isso chega ao nível do literal, com programas que calculam a probabilidade de sucesso ou riscos de determinado filme. De tempos em tempos, grandes acertos acontecem, tal como os filmes de super-heróis. Apesar de nada mais serem que retrabalhos em cima da boa e velha jornada do herói que remonta à Antiguidade, filmes como os da franquia Marvel vêm trazido novo fôlego com a inserção de novos elementos, sejam eles efeitos especiais de última geração, contextualizações que aproximam as tramas fantásticas do público ou pela construção narrativa própria da linguagem cinematográfica, fugindo da mera reprodução da trama do material fonte, os quadrinhos.

Ao contrário desses filmes de super-heróis, há um outro gênero que vem enchendo os cofres de grandes estúdios, mas que não traz o mesmo nível de criatividade no tratamento do material base. Trata-se dos filmes baseados em contos de fada, amados pela Disney. “Branca de Neve e o Caçador” (2012), “João e Maria: Caçadores de Bruxas” (2013) e “Malévola” (2014), por exemplo, podem muito bem ter divertido crianças e adultos por mais ou menos 110 minutos, mas no plano geral do cinema, são exemplos de boas bilheterias e nada mais. Falta a estes filmes algo que realmente os torne uma quebra em relação a outros exemplos de filmes comercialmente bem sucedidos, como os clássicos da Disney. Mais que isso, vários são os filmes do estúdio de animação que foram para além do sucesso comercial, resultando em obras marcantes da história do cinema.

Seguindo o exemplo de seus contemporâneos, “Caminhos da Floresta” (2014) segue pelo caminho da diversão momentânea. Na trama do filme, um padeiro e sua mulher (James Corden e Emily Blunt) vivem no mesmo vilarejo que Chapeuzinho Vermelho (Lila Crawford) e outras personagens de contos de fada. Uma Bruxa (Meryl Streep) lança uma maldição contra um feito do pai do padeiro e, para quebrá-la, os dois devem trazer a ela quatro objetos: um capuz vermelho como sangue, cabelo amarelo como espiga de milho, um sapato dourado como ouro e uma vaca branca como o leite. A partir daí, começa a aventura do casal de padeiros pela floresta.

Um dos primeiros problemas de “Caminhos da Floresta” são as passagens de um personagem a outro. Com tantas fábulas clássicas, as idas e vindas entre a chorosa Cinderela (Anna Kendrick), a pirralha espertinha Chapeuzinho Vermelho e o casal protagonista, por exemplo, falham em fluidez em vários momentos, tal como ao final da primeira aparição de Johnny Depp como o Lobo Mau. Falando nele, há algo de patológico na obsessão de Depp em repetir o mesmo tipo caricato de personagem, o que só fica mais estranho com o fato de que ele interpreta uma criatura que, literalmente, deseja comer uma criança. Pelo menos disso surge um dos poucos segmentos que, visualmente, traz algo fora do roteiro visual que já vimos várias vezes nos novos filmes de contos de fadas: o mergulho, estilo Expressionismo Alemão, de Chapeuzinho goela abaixo do Lobo, rodeada pela escuridão entrecortada por tons de vermelho, seguida pela retirada dela e de sua avó da barriga do Lobo feita pelo Padeiro. Por incrível que pareça, é o momento visualmente mais interessante do filme, e, de quebra, reduz a ambiguidade sexual da canção entoada por Crawford nesse momento.

Para a parcela do público preocupada com algo mais que a “aventura” prometida pelo filme em si, é quase uma tristeza voltar ao andamento normal do filme. Não que seja tão decepcionante assim ver a fotografia e figurinos que por pouco não parecem aproveitados de outros filmes de fantasia recentes, mas a narrativa em si não tem de fato o ar de renovação que promete. A busca por inserir uma nova roupagem aos contos de fada fica na promessa quando percebemos manipulações de finalidade comercial como, por exemplo, a tentativa de equilibrar o interesse do público infantil de ambos os sexos com a inserção de João e seu pé de feijão gigante, os príncipes canastrões cantando e procurando por suas amadas e mesmo as guinadas do final do filme. Já algumas das resoluções cruéis de algumas histórias paralelas, presentes nos contos originais (que eram bem sádicos!), surgem em “Caminhos da Floresta” devidamente suavizados, no melhor estilo PG-12.

Há de se dar o braço a torcer pela agilidade da direção de Rob Marshall e do roteiro de James Lapine na construção dos arcos que marcam a progressão da trama. Com tantas histórias que adultos e crianças já sabem de cor, o filme ainda assim consegue segurar a atenção do público ao promover, ao longo das mais de duas horas de projeção, desafios diferentes aos personagens, garantindo dinamismo ao filme. Tanto quanto a badalada atuação de Meryl Streep como a Bruxa (que só ganha mais dimensão nos últimos quarenta minutos de filme), são justamente esses pontos que ajudam “Caminhos da Floresta” a ser divertido enquanto experiência momentânea de entretenimento, o que deve agradar à grande maioria do público, e isso conta mais que as “novidades” no tratamento dos personagens nos últimos vinte minutos de projeção. Soma-se a isso o fato de que o filme se trata de uma adaptação cinematográfica para o premiado musical de mesmo nome da Broadway, com autoria do próprio Lapine junto a Stephen Sondheim.

Colocado na balança, “Caminhos da Floresta” é um filme de entretenimento levemente acima da média. Em se tratando da baixíssima variedade de filmes que entram em cartaz em Manaus, isso é quase uma benção, o que faz do filme um divertimento digno para o público, seja ele infantil ou não.