Avalanche.

Se uma palavra pode definir o que o exposé do New York Times sobre o produtor todo-poderoso Harvey Weinstein causou desde a sua publicação, na quinta-feira passada, é essa. Desde que as acusações de atrizes como Ashley Judd e Rose McGowan se tornaram públicas, Weinstein foi convidado a se retirar da companhia que fundou com o irmão e nomes importantes de Hollywood se posicionaram a favor das vítimas. A história que envolve um dos homens mais poderosos de Hollywood – que sempre se gabou de “fazer e acabar com carreiras” – é apenas a ponta do iceberg de uma indústria que sempre compactuou com abusos, mas o final, pelo visto, será bem diferente dos aplausos de pé que Casey Affleck recebeu no Oscar deste ano, para citar apenas um exemplo recente.

Weinstein atua no cinema desde a década de 1970. Ele criou, junto com o irmão Bob, a Miramax, distribuidora que teve seu auge entre a segunda metade dos anos 1990 e o início dos anos 2000, com títulos como “O Paciente Inglês”, “Shakespeare Apaixonado” e “Chicago” – todos vencedores do Oscar de melhor filme. Os irmãos Weinstein também carregaram, por muito tempo, o título de apoiadores do cinema independente (Robert Redford, alguém?), com o apadrinhamento de Quentin Tarantino e a distribuição de filmes estrangeiros importantes como “Ata-me”, de Pedro Almodóvar, e o brasileiro “Cidade de Deus”. Em 2005, Harvey e Bob criaram a produtora The Weinstein Company, que levou às telonas títulos como “O Leitor” e “O Discurso do Rei”.

No entanto, o produtor sempre esteve envolto em boatos de “teste do sofá”, mas a verdade é que eles afetavam mais as atrizes citadas (Gretchen Mol é um exemplo) do que ele. A atriz Rose McGowan, que aparece na reportagem do NYT, foi uma das primeiras a acusá-lo, mas não foi ouvida. Na ocasião, ela disse que o então namorado Robert Rodriguez havia vendido um filme de ambos para “o homem que a estuprou”. Um Google básico não deixava dúvidas da associação de Rodriguez com Weinstein. Ashley Judd, outra personagem do exposé do NYT, já havia mencionado o episódio com Weinstein, mas sem citar nomes. Vale pontuar ainda que esse não seria o primeiro material com acusações a Harvey – em 2004, o mesmo New York Times planejava uma reportagem sobre o assunto, mas o produtor teria conseguido brecar a publicação com a ajuda de Matt Damon e Russell Crowe. Só gente boa, né.

O que muda de 2004 para os dias de hoje é a dificuldade de se esconder algo em plena era de redes sociais. No início do ano, o Brasil viu um movimento de apoio à figurinista Su Tonani, que relatou assédio sexual por parte do ator José Mayer, galã-macho-alfa oficial da televisão brasileira. O “Mexeu Com Uma, Mexeu Com Todas” ganhou até mesmo os telejornais da própria Rede Globo, que afastou o ator, e foi capitaneado por atrizes famosas – algumas, como Letícia Sabatella, chegaram a sugerir que já haviam tido problemas com Mayer.

Movimentação semelhante já se vê com o caso Weinstein. Não que as atrizes precisem se manifestar. Aliás, tem incomodado a falta de fala por parte dos homens da indústria. Com a exceção de George Clooney, Jeff Bridges e Mark Ruffallo, nenhum ator se manifestou. O jornal The Guardian, inclusive, chegou a procurar 26 atores e diretores, incluindo pesos pesados da indústria como Leonardo DiCaprio e Brad Pitt, mas eles não responderam. Em contrapartida, houve um ensaio de clamor para que atrizes que já trabalharam com Harvey falem à imprensa. Ah, Matt Damon e Russell Crowe ainda não se pronunciaram.

Ainda que não haja a obrigação de manifestação por parte das mulheres da indústria, deu para notar que muitas se sentiram mais à vontade para falar após a nota divulgada por Meryl Streep. “As mulheres intrépidas que levantaram suas vozes para expor esses abusos são nossas heroínas. Não há desculpas para o comportamento (de Weinstein), mas o abuso de poder é familiar. Cada voz que é levantada, ouvida e creditada pela mídia vai acabar mudando o jogo”, disse a atriz, que foi seguida por Kate Winslet, Glenn Close e Judi Dench. Close chegou a dizer que já havia ouvido boatos sobre o comportamento de Weinstein ao longo dos anos. A última a falar (até agora) foi Jennifer Lawrence, que definiu como “nojentas” as ações de Harvey. “Meu coração vai para todas as mulheres afetadas por essas ações nojentas”, declarou.

Nas redes sociais, Jessica Chastain tem falado com bravura sobre o caso e chegou a dizer que “foi alertada” sobre Weinstein. Lena Dunham publicou um poderoso texto no NYT, onde relata suas experiências em Hollywood e frisa que Weinstein pode até ser o “homem mais poderoso de Hollywood a ser exposto como um predador sexual, mas ele certamente não é o único que teve permissão para isso”. A britânica Romola Garai chegou a revelar que foi uma das vítimas do produtor e que teve um encontro traumatizante com ele aos 18 anos.

Não dá para saber o que vai acontecer nos próximos dias e semanas com essa série de fatos envolvendo o homem mais poderoso de uma indústria igualmente poderosa. Uma coisa é certa: Weinstein é um animal completamente diferente de outros que já foram acusados de estupro, agressão física e até homicídio. Ainda que ele não seja mais conhecido que Roman Polanski, Woody Allen, Casey Affleck, Nate Parker, Mel Gibson e Robert Blake aos olhos do grande público, na indústria ele é maior que todos eles. Por isso, os resultados desse exposé foram tão impactantes. As primeiras reações já apareceram – ele foi demitido da Weinstein Company e terá seu nome retirado dos créditos de produções futuras do cinema e de séries de TV que já estão no ar, como “Scream”. A produtora, inclusive, pode mudar de nome.

Enquanto você lê esse texto, é possível que novos episódios envolvendo Weinstein apareçam. Como eu disse no primeiro parágrafo, estamos diante de uma avalanche. Resta saber se, como disse Meryl Streep, isso vai mudar o jogo.