Em abril deste ano, “Chatô – O Rei do Brasil” voltou a ser notícia, graças a uma bela reportagem da revista Época, que destrinchou todos os caminhos que levaram essa produção de Guilherme Fontes a se tornar, de forma involuntária, o “Boyhood” tupiniquim. No texto, é citada a reação do cineasta Cacá Diegues, que definiu o filme como uma espécie de “épico tropicalista”. E se me é permitido parafrasear o realizador de “Bye Bye, Brasil”, aqui o faço.

Uma cinebiografia ambiciosa e fora do comum, “Chatô” parece uma extensão da persona maior-que-a-vida de seu personagem-título: absurda, ridícula, desconfortável, engraçada, estranha e cheia de cores.

Se você entrar no cinema esperando um “Olga” – também baseado em um livro-reportagem de Fernando Morais -, sinto lhe informar que a leitura de Fontes para a história de Assis Chateaubriand é o oposto de um retrato convencional.

De cara, somos bombardeados por uma montagem frenética, que mostra o personagem em todas as suas faces. Aqui não cabem legendas indicando tempo e espaço e nem diálogos explicativos. Entendemos quem é Chatô a cada episódio pontual apresentado no roteiro, como a brilhante cena do jantar na casa de Vivi Sampaio (Andrea Beltrão), onde o então futuro magnata constrange o grupo de homens e mulheres da alta sociedade com seu comportamento, digamos, descontraído demais.

Em paralelo, vemos o personagem em uma espécie de tribunal comandado por uma espécie de Chacrinha (vivido pelo próprio diretor). Já no fim da vida, ele é julgado pelas pessoas na quais pisou. Se a ideia é esperta e bem executada, em dados momentos ela parece interromper cenas importantes da história. Nesse sentido, vale destacar que, apesar de uma cinebiografia sem didatismos ser bem vinda, sente-se falta de um aprofundamento maior na carreira de Chatô. Sem mais nem menos, ele pula de um jovem empregado na casa de uma mulher rica a dono de jornal. Como isso aconteceu?

Mas, se a ousadia de Fontes (que lhe rendeu um rombo milionário nos cofres públicos, vale lembrar) resulta em um filme divertido e frenético, o elenco competente dá outra dimensão a “Chatô”. O destaque, claro, fica por conta de Marco Ricca, que foge da caricatura e constrói, ao mesmo tempo, um arquétipo do ‘cabra-macho nordestino’ e um homem que quer crescer a todo custo. O trabalho de Ricca nas sequências do programa de auditório, em especial, é excepcional, já que vemos um Chatô quase derrotado e sem ser a sombra do que um dia já foi.

Outro desempenho digno de aplausos é o de Andréa Beltrão, que vive uma mulher forte e dividida entre a paixão e as convenções sociais. Beltrão dá dignidade a uma personagem que poderia ser vista apenas como interesse amoroso. No filme, temos ainda a chance de ver uma Leandra Leal ainda adolescente, um Paulo Betti por vezes caricato como Getúlio Vargas e nomes que já partiram, como Walmor Chagas e José Lewgoy (que inclusive dividem a cena).

“Chatô” tinha tudo para dar errado, mas, graças à ambição de Fontes e às liberdades artísticas que tanto atrapalham as cinebiografias por aí, virou o tal épico tropicalista que Diegues pontuou lá em 2006, com ecos (obrigatórios?) de “Cidadão Kane“. Polêmicas à parte, é um título obrigatório para quem quer entender mais da história e do cinema do Brasil pós-retomada.