Era maio de 2021 quando o diretor Scott Derrickson deixava a sequência de “Doutor Estranho por divergências criativas – mais um entre tantos conflitos entre diretor e produtores na Disney. Enquanto Sam Raimi, veterano em ambos os gêneros, assumia o segundo longa do mago da Marvel, Derickson decidiu retornar às origens e com produção da Blumhouse, decidiu filmar “O Telefone Preto”.

A história se baseia em um dos 15 contos da coleção de Joe Hill, filho de Stephen King: após ter sido raptado por um assassino de crianças (Ethan Hawke) e trancado em uma espécie de porão à prova de som, Finney (Mason Thames) – um garoto de 13 anos – começa a receber chamadas em um telefone desligado. Não demora muito para notar que, do outro lado da linha, estão as vítimas anteriores do assassino.

Sob esse olhar infantil, o conto de Hill recebe uma leve perspectiva de coming of age. As TVs de tubo, fliperamas e filmes antigos estabelecem a relação plausível com a nostalgia. Ainda que aqui, seja uma história em anos finais de 1970, há a tocante alusão às crianças de lares partidos e que encontravam em suas próprias jornadas algum amadurecimento, seja pessoal ou familiar – como a turma de Os Goonies e Marty em “De Volta para o Futuro” assim como recentes “Stranger Things” e “It – A Coisa”.

Então, essa junção entre horror sobrenatural e sequestro aliada ao olhar infantil, justifica a falta de gore – sem riscos de parecer uma história desfavorecida. Entre jumpscares funcionais e pouco sangue, a cena em que o pai de Finney bate em sua irmã com um cinto sintetiza com proeza como a dor em “O Telefone Preto” não é apenas física, mas também interna, vinda de uma família disfuncional (pai alcoólatra, mãe e filha sensitiva).

FIRMEZA PARA EMULAR O TERROR

O brilho extraído de Hawke na pele do sequestrador transita entre exageros e as sugestões, que fazem alusões a traumas de infância, reafirmando dor física e psicológica. A máscara, o cinto, balões e a obsessão por garotos estabelecem a sublime relação entre o maníaco e as crianças – e sobretudo, com o passado. Não por acaso, o diretor diz que “O Telefone Preto” é seu filme mais pessoal que já pode realizar comercialmente.

Ao usar códigos do gênero (rapto, cativeiro, nostalgia, sonhos), o longa de Scott Derrickson não quer apresentar nada que seja convencional de forma cega, como se executar a previsibilidade fosse a única coisa a ser feita, mas com plena confiança de que resgatar tudo isso para seu suspense/terror por si só já é suficiente. A firmeza para emular o gênero é mais importante que a tentativa de fazer arthouse.

A exemplo de comparação, enquanto o Shyamalan fez de “Fragmentado” (2017) uma excelente obra que trata o tema sobrenatural como twist, “O Telefone Preto” faz por ocasião, com a noção de que tudo já é familiar – e não mérito narrativo.

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