Ultimamente, parece que temos visto um filme sobre o mito de Frankenstein por ano, não é? Bem, essa é a sensação. Culpa da verdadeira maldição que se abateu sobre a clássica história criada por Mary Shelley, a maldição do domínio público. Qualquer um pode fazer um filme do Frankenstein, desde que não faça uso da conhecida iconografia visual das produções do estúdio Universal – o monstro, especialmente, não pode ser parecido com o clássico visual imortalizado por Boris Karloff, pois este sim é marca registrada. Fora isso, vale tudo, e ao se assistir a este Victor Frankenstein, ficamos com a certeza de que realmente existe um vale-tudo em Hollywood.

Verdade seja dita, essa nova versão parece, a princípio, que vai apresentar algo um pouco diferente. Afinal, o protagonista é o Igor, o corcunda que nos filmes da Universal era o ajudante do cientista “Henry” Frankenstein. O Igor deste filme é apresentado na sequência de abertura praticamente como um primo do Homem Elefante: trabalha no circo como palhaço, vive apanhando e sendo atormentado por causa da aparência.

Infelizmente essa boa vontade inicial logo se dissipa quando descobrimos que ele é também um gênio, um estudioso autodidata da anatomia humana. Ele é salvo do circo graças a seu encontro com Victor Frankenstein, numa sequência de ação filmada com muita câmera lenta pelo diretor Paul McGuigan e que impressiona apenas por ser absolutamente desnecessária dentro da narrativa. Depois de uma drenagem da corcunda, e de um banho, um corte de cabelo e roupas novas, ele se transforma no bom e velho Harry Potter – opa, quer dizer, no seu intérprete, o ator Daniel Radcliffe. Tudo isso acontece em cerca de 20 minutos de filme, e essa transformação só ressalta o artificialismo do projeto e como é impossível levar a sério o protagonista da história.

Ah, e Victor é interpretado por James McAvoy, exagerado e abusando de um sorriso maníaco, na pior atuação da sua carreira. Já Radcilffe é muito prejudicado pelo roteiro e seu melhor momento é a sua “dancinha” num baile, um momento no qual o ator sai do personagem, mas que o diretor deixou no filme, talvez para suavizar um pouco as coisas. E claro, fica um clima homoerótico entre os dois personagens, acentuado ainda mais quando surge um vilão na figura do milionário Finnegan (Freddie Fox), que parece enciumado frente à relação entre Victor e Igor. Finnegan, no entanto, é outro elemento desnecessário que poderia ter sido cortado do filme. Aliás, se o filme tivesse a coragem de realmente dar um passo além no “bromance” dos dois personagens principais, isso, pelo menos, representaria um pouco de ousadia na produção. Poderia não necessariamente resultar num filme melhor, mas no mínimo renderia algo mais memorável do que esta produção esquecível e rasa.

A seu favor o roteiro de Victor Frankenstein até possui duas boas ideias. Primeiro, o filme estabelece Igor como a verdadeira criação de Victor. Ao salvá-lo, o cientista louco cria precisamente um novo homem, por mais que não se dê conta disso, e o filme faz uso dessa noção ao explorar o vínculo entre os dois homens e para estabelecer uma (leve) ironia dramática.

Já a outra boa ideia é a de personificar o conflito ciência vs. fé que move a narrativa. Afinal, o principal antagonista de Frankenstein é o inspetor Turpin (Andrew Scott), um policial temente a Deus e que considera a obra do cientista como coisa do demônio. Essa ideia, no entanto, é mal desenvolvida, pois Victor é caracterizado como ateu no pior sentido do termo: arrogante e feliz por se considerar superior ao resto da humanidade. Já Turpin se torna, ao longo da história, uma caricatura cada vez maior, e o duelo final entre os dois perde a força.

Aliás, esse mesmo roteiro – de autoria de Max Landis, filho do cineasta John Landis – que até possui essas interessantes ideias, também trata seus espectadores como imbecis ao fazer os personagens declamarem várias vezes as suas intenções e motivações: quando Victor diz pela 10ª. vez que deseja criar vida, o espectador tem vontade de gritar “já entendi!” na direção da tela. Além disso, Victor Frankenstein copia descaradamente sua estética e até sua direção de arte dos dois Sherlock Holmes de Guy Ritchie – até as sequências de s créditos são bem semelhantes. Essas tentativas de modernizar a história de Frankenstein, dentre as quais se incluem as cenas de ação e o estabelecimento da parceria entre os dois personagens principais, como Holmes e Watson, acabam tendo o efeito contrário por escancararem o desespero da produção, que força a barra para atrair as plateias modernas. Outra superficialidade é o romance forçado entre Igor e a personagem Lorelei – e é incrível como um simples banho de loja transforma as pessoas no universo deste filme!

O filme, no entanto, acaba confessando as próprias limitações ao ouvirmos Igor dizer, duas vezes, que “Você já conhece essa história…” na narração em off. Este Victor Frankenstein não nos dá nenhum motivo para nos importarmos com a sua existência, e as suas tentativas de inovar sobre a criação de Mary Shelley soam apenas como clichês já vistos em outros filmes. E para acabar de vez com qualquer simpatia pelo projeto, está sempre presente no ar aquele sentimento de “filme de origem” feito para iniciar uma franquia, o que o final em aberto deixa óbvio. Esse é o pensamento por trás do vale-tudo hollywoodiano: é mais fácil apostar em histórias já conhecidas das pessoas, e encher essas velhas histórias de “modernices”, do que quebrar a cabeça tentando inventar coisas novas. E o resultado é este filme sem coração e sem cérebro que parece o cadáver de macaco ressuscitado por Victor durante a trama. É o filme do Frankenstein que merecemos, pelo menos até o próximo – afinal, a Universal também deve fazer uma nova versão, inserida num “universo cinematográfico” dos velhos Monstros, em breve.