Já faz algum tempo que Denis Villeneuve deixou de ser uma promessa pra se tornar um dos diretores mais notáveis do cinema internacional. Se com Incêndios (2011) o diretor chamou a atenção do mundo, os seguintes Os Suspeitos (2013), O Homem Duplicado (2014) e Sicario: Terra de Ninguém (2015) tornaram-se grandes sucessos, tendo uma recepção amplamente favorável da crítica internacional, e colocaram o diretor no hall dos grandes da atualidade.

Tendo isso em vista, depois de assistir A Chegada, uma dúvida surge: se o diretor realiza um bom filme, mas abaixo dos seus anteriores, que são excepcionais, isso significa um passo para trás, uma falha?

Certamente não. Todo artista precisa ter liberdade para continuar ousando “do zero”, esquecendo-se da carreira e do peso do nome por trás, sempre arriscando no próximo projeto. Os grandes nomes comprovam isso, de Scorsese a Miller, de Friedkin a Verhoeven, de Kubrick a Welles. Isso vale, evidentemente, mais para um diretor que ainda tem muito caminho a percorrer. Porém não há como negar que este trabalho representa um ponto menor na carreira do diretor, mesmo que a grandiosidade ao redor do filme aponte que não.

Com uma melancólica e ágil sequência inicial, através de elipses contínuas conhecemos a linguísta Louise Banks (Amy Adams) e o seu relacionamento com a filha desde o seu nascimento até a morte precoce da garota, ainda adolescente, vítima de uma grave doença. Tal acontecimento marcou demais a professora, que parece nunca ter superado o fato. Anos depois, trabalhando em uma universidade, toma conhecimento de que 12 enormes objetos não identificados apareceram em locais diferentes do planeta, o que causa uma comoção global, com as autoridades mundiais preocupadas em descobrir rapidamente qual o propósito da visita daqueles seres. Especialista em traduções, Louise é convocada pelo coronel Weber (Forest Whitaker) para contribuir na elucidação de supostas mensagens passadas pelos extraterrestres, tendo a companhia do físico teórico Ian Donnelly (Jeremy Renner).

A Chegada possui uma aura poderosa, imponente. A já conhecida sobriedade e rigidez estética de Villeneuve está, como não poderia deixar de ser, presente aqui também, e quando compreendemos a importância do que está acontecendo, e das consequências trazidas por aqueles objetos, instaura-se um conflito tenso e relevante, que nos prende com autoridade. A primeira hora corre muito bem, objetiva, direta ao ponto, envolvente. Toda a sequência que envolve o primeiro contato de Louise e Ian com os extraterrestres está entre os melhores momentos do cinema em 2016.

Mas tudo isso converge para um desfecho surpreendentemente piegas, e muito focado na ideia de fornecer respostas aos questionamentos que surgem.

As inevitáveis comparações com Contato (1997) prejudicam o filme de Villeneuve, pois onde o diretor canadense errou, Zemeckis acertou em cheio.

Não há, seja na filosofia, religião, astrologia, uma resposta definitiva sobre os temas propostos pelo filme, e que são, de modo geral, vistos também em outros trabalhos de ficção científica: o sentido da vida, da morte, o controle do tempo, da relação com seres de outros lugares, o que eles buscariam aqui, etc. E infelizmente, A Chegada parece convencido de que encontrou uma resposta, ou pelo menos uma indicação que esclarece algumas questões, principalmente relacionadas à compreensão do tempo, e do uso que se pode fazer dele, enquanto que Contato deixava tudo em aberto, por compreender que é impossível chegar a uma resposta, pois as experiências e convicções de cada pessoa interferem decisivamente nessa busca, e que a “não-resposta” não significa covardia ou incapacidade, mas uma compreensão mais ampla a respeito dessas questões.

E o filme caminha com uma convicção preocupante para uma resolução que, mesmo que compreensível e justificada através da sua lógica interna, coloca os dois pés na pieguice e nos violinos ininterruptos, com o auge disso na equivocada sequência que envolve o general chinês e o que isso acarreta na trama. Além disso, a partir de certa cena, um diálogo envolvendo Louise e um importante personagem logo no início do terceiro do ato, compreendemos o significado das constantes lembranças envolvendo a filha, e o filme permanece jogando aquilo repetidas vezes como se ainda restasse alguma surpresa, revelação esta que já foi compreendida. E isso também vale para a identidade do pai da filha de Louise, uma dedução que a plateia já captou há tempos.

Fotografia e som, destaques recorrentes dos filmes anteriores de Villeneuve – este último item tendo resultado extraordinário em Sicario – também ficam devendo. O diretor de fotografia Bradford Young estabelece uma imagem escurecida, em alguns momentos desfocada, que cria uma atmosfera suja, nublada, artificial ao filme, que chama a atenção para si de uma maneira que, honestamente, não consigo compreender um porquê narrativo. E o som é prejudicado por uma trilha musical excessivamente presente, principalmente na parte final – o que surpreende vindo do talentoso Johan Johannsson –, e também pelo fato de não desempenhar maior papel narrativo, desperdiçando ricas possibilidades, como vimos ser possível em outro filme, o recente Sob a Pele (2014).

Mesmo que soe contraditório, porém, este é um trabalho que tem chance de crescer com o tempo, de ter a sua mensagem mais bem compreendida, afinal o assunto tratado pelo filme, e a sua abordagem, possuem força e são capazes de nos mover. É uma espécie de irmão (um pouco) mais bem sucedido de Interestelar (2014).

O mundo, tão necessitado de empatia com as diferenças e com o desconhecido, de fato necessita compreender que os amores que vivemos têm poder de nos transportar pelo espaço e tempo, mesmo que seja para nos fazer sentir dor, e é uma pena que a regra seja bem diferente disso.

E talvez aqui me inclua nessa parcela, que por se incomodar com o tom romântico e exacerbado do filme, veja fragilidades e problemas que extrapolam a sua mensagem. Tomara que o tempo amoleça o meu coração.