Eu me mudei mais de 12 vezes nos últimos 15 anos. Quantas casas exatamente, não sei dizer – perdi a conta em algum lugar entre Ricardo de Albuquerque e Oswaldo Cruz, bairros suburbanos do Rio de Janeiro. 

“5 Casas”, documentário de Bruno Gularte Barreto, me fez pensar em todas essas mudanças – nos objetos que são perdidos, nos rostos que vão se apagando. E, ainda assim, a sensação que se tem ao final da projeção é a de falta. Não a falta que se sente desta ou daquela faceta do passado; antes, a que sentimos quando um material instigante não parece atingir as expectativas que ele mesmo colocou em nós. 

Jornada pela memória

Logo de cara, as estratégias de Barreto, com sua voz em off na primeira pessoa, a música atmosférica e os planos esbanjando rigor formal, se fazem notar: estamos na encruzilhada entre a memória e a poesia. 

Ainda pequeno, Barreto perdeu tragicamente o pai e a mãe. Agora, artista munido de câmera e equipe, ele tira a poeira dos álbuns de família e vai atrás de figuras importantes do seu passado em Dom Pedrito, interior do Rio Grande do Sul. 

“5 Casas” se constrói, então, através de entrevistas íntimas com essas figuras (íntimas, inclusive, no tratamento formal: a câmera às vezes está tão perto desses rostos que o quadro mal tem espaço de respiro). A essas, se intercalam arroubos poéticos amarrados pela narração de Barreto, em que a câmera se detém pacientemente nos espaços da cidade. 

CALCULADO DEMAIS

É tudo muito bonito, de fato – Barreto sabe filmar uns chiaroscuros elegantes, sabe criar composições geométricas interessantes. Mas uma suspeita começa a se infiltrar em nossas mentes com o passar da projeção: será que o filme não é um pouco calculado demais em todas essas suas artimanhas poéticas? 

Isso porque fica claro que Barreto filma a partir de algumas palavras-chave: “memória”, “passado”, “presente”, termos que são articulados recorrentemente numa tentativa de esbarrar em alguma ressonância temática. Mas temos a sensação de que o diretor, mesmo que a narração tente provar o contrário, não tem realmente um projeto bem delineado por trás das suas palavras, que muitas vezes reverberam no vazio. 

Não que um filme precise de uma grande declaração temática para funcionar; às vezes, os melhores filmes são os que dizem pouco, bem pouquinho. O problema é quando o cineasta parece pensar que o que tem a mostrar é representativo de temas que, no entanto, nunca são explorados com a profundidade necessária. 

As histórias que Barreto colhe de seus entrevistados são extremamente interessantes, é verdade. Mas não pelo modo como remetem à exploração pessoal do diretor, e sim porque os seres humanos tendem a ser complexos e interessantíssimos por si só (salvo, é claro, algumas exceções em nossa espécie que o decoro me impede de nomear). 

E assim, fiquei com a lembrança das minhas mais de 12 casas, e você talvez fique ruminando sobre sua(s) casa(s), também. O que realmente ficamos esperando, entretanto, é que, depois de nos tomar pela mão de forma tão assertiva, Barreto revele sua própria morada como capaz de viver em nossa memória através dos anos. 

Não parece ser o caso. Mas o esforço é notável.