Fácil de ser usada como propaganda e vangloriação forçada dos feitos de um país (cof, cof, Estados Unidos), a Segunda Guerra Mundial é um tema abordado de forma inteligente em “A Estrada 47”. Sem patriotismo, o filme ganha o espectador com boas atuações e, principalmente, uma fotografia de encher os olhos. Além disso, desmistifica a participação brasileira como aliada da tríade EUA-França-Inglaterra.

Nosso norte no filme é o personagem de Daniel de Oliveira. Já de cara, Guima diz ao pai, em uma carta narrada em off, que não sabe se vai conseguir ser o herói que ele imagina. Esse voice over pode parecer desnecessário de cara, mas é a forma com que criamos laços com o soldado. Sem usar flashbacks ou outros recursos que poderiam virar ‘muletas’, Vicente Ferraz (que dirigiu e corroteirizou ‘Estrada’) nos dá a dimensão do que era estar no front de batalha, podendo morrer ou ver um companheiro ser morto a qualquer momento. A solidão e o desespero de Guima são evidenciados nessas cartas.

Os personagens, aliás, são o foco de ‘Estrada 47’. Sim, há cenas de batalha, mas mesmo esses momentos são trabalhados para que vejamos apenas os soldados, as pessoas que estão ali, lutando. Nesse sentido, vemos em ‘Estrada’ um grupo coeso de atores criando tipos interessantíssimos – há espaço para um soldado negro, inclusive, que protagoniza uma das cenas mais belas do filme, ao batucar um samba enquanto conta sua história. Falando em tipos, o filme traz algo que o cinema brasileiro mainstream deveria adotar mais: atores estrangeiros fazendo personagens estrangeiros em suas línguas-mãe, e não em português, com sotaque vagabundo. Ok que o filme é uma coprodução, mas ponto para eles.

Outro aspecto que chama a atenção neste filme de Vicente Ferraz é a direção de fotografia, assinada por Carlos Arango de Montis. Com o pano de fundo dos lindos alpes italianos, Montis nos entrega imagens que poderiam facilmente ser emolduradas, ao mesmo tempo que imprime uma certa ‘sujeira’ e nos lembra que o cenário pode ser belo, mas as circunstâncias são deploráveis. A trilha sonora discreta também é digna de nota.

À medida que os créditos iam rolando (inclusive, tanto os de abertura quanto os finais são bem bacanas), me perguntava por que esse filme não foi mais falado pelo ‘grande público’. A falta de ação à la “Resgate do Soldado Ryan”’ e de bordões à la “Tropa de Elite” (sem críticas, realmente adoro os dois filmes) poderia afastar os olhos mais ávidos por sangue. No entanto, “A Estrada 47” é um exemplar único no cinema brasileiro e conta, sem didatismo clichê, uma história que eu, pelo menos, não aprendi na sala de aula.