O ano é 1971 e há um nome quente na cidade: Peter Bogdanovich, o garoto-prodígio de 31 anos que fez o impossível e transformou um drama intimista sobre garotos texanos em um dos maiores hits do ano. 

Bogdanovich é daquela geração cinéfila dos anos 1960 que cresceu com reprises dos clássicos de John Ford, Howard Hawks e Orson Welles na TV – todos diretores que o jovem aspirante iria entrevistar e, no caso dos dois últimos, tornar-se amigo deles. Ainda nos tempos em que era um ensaísta entusiasmado e um crítico incansável, Bogdanovich havia estipulado uma meta para si mesmo: inspirado no exemplo imbatível de Welles, ele iria fazer seu primeiro filme até os 25 anos.

A chance, no entanto, só veio aos 29, quando dirigiu “Na Mira da Morte” por uma mixaria para Roger Corman, em 1968. Não foi um sucesso, mas foi o suficiente para lhe dar a moral necessária para comandar uma produção de pouco mais de um milhão de dólares: “A Última Sessão de Cinema”. 

E o que é este filme?

É difícil imaginar, imersos como estamos na cultura infantilóide das franquias medíocres, um tempo em que as conversas giravam em torno de um filme como este – um retrato em preto-e-branco do lugar mais deprimente do mundo. Mas era 1971, e a Nova Hollywood ainda estava na crista da onda. Bogdanovich aproveitou a chance e entregou um filme que suscita a pergunta: como um moleque de 31 anos conseguiu destilar tamanho pesar, tamanha nostalgia cheirando a mofo? 

Por outro lado, talvez fosse justamente sua maturidade ainda verde o que o conectava ao marasmo existencial dos adolescentes de sua história, Sonny (Timothy Bottoms) e Duane (um Jeff Bridges com cara de bebê). Eles passam os dias saindo com namoradas, indo ao cinema ou jogando sinuca. A escola está prestes a chegar ao fim e o futuro não parece muito promissor. Os homens da cidade trabalham nas refinarias dos arredores; já às mulheres, resta a vida de dona-de-casa. Crescer não parece muito animador. 

É nesse mundo poeirento que adultos desolados e crianças despreparadas transitam, frequentemente se encontrando através de uma mesma moeda de troca: o sexo. Os meninos ainda estão descobrindo os prazeres da carne, e todos os encontros transacionais do filme são desconfortáveis. São também, em geral, deprimentes. Um deles termina com um nariz sangrando e uma boa dose de humilhação pública. É melhor fugir dessa cidade enquanto ainda pode. 

Jacy (a estreante Cybill Shepherd) também está navegando nas águas do desejo adolescente. Ela é a namorada bem-comportada de Duane, mas a mesmice começa a cansá-la. Seu exemplo no amor vem da mãe (Ellen Burstyn), o que não equivale a muita coisa pra começo de conversa. Como o sexo parece ser tudo o que resta a fazer para passar o tédio e aliviar o peso do tempo perdido, Jacy pula de cama em cama em encontros sem sentido. 

Cidade-fantasma

É uma sinopse dura o bastante para arrancar o sorriso da cara de qualquer um, mas Bogdanovich ainda conta com duas cartas na manga. A primeira é o diretor de fotografia Robert Surtees. O chiaroscuro dos bares abafados e a profundidade de campo que acentua as sombras contribuem ainda mais pro clima fúnebre da coisa – afinal de contas, o tempo passa rápido, e “Media vita in morte sumus”, nos lembram os cristãos. Mas esse toque barroco, é claro, também traz à mente o trabalho de Welles, e não à toa: foi acatando uma sugestão do mestre que Bogdanovich decidiu rodar o filme em preto-e-branco. 

Mas, ainda, um terço do filme (se não mais) se deve à Polly Platt, parceira criativa de Bogdanovich à época – além de sua esposa, é claro. Foi Polly quem o ajudou a escrever seu filme-debute, e também foi ela quem levou “A Última Sessão de Cinema”, o livro, às mãos de seu marido. Comandando o design de produção (antes de se filiar à guilda, em um tempo em que sequer havia mulheres no sindicato), não é muito difícil notar sua contribuição ao filme. Basta, para isso, olhar para as paredes velhas da sala de sinuca, ou para o baile de Natal fuleira da cidadezinha, para sentir o cheiro de bolor que recobre esses personagens. 

O restante dos louros se deve à expressão estóica traída pelos olhos tristes de Timothy Bottoms, no centro de “A Última Sessão de Cinema”. O cara é tão bom no papel que você só quer que ele meta o pé dali, mesmo sabendo que ele provavelmente jamais conseguirá. Resta, então, torcer para que ele encontre um mínimo de conforto no arrastar vagaroso de seus dias áridos. Torçamos.