Em um dos momentos mais íntimos de “Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, ele e Bárbara Paz, sua companheira (e diretora deste documentário), discutem sobre o uso da expressão “baseado em fatos”. Ele defende, ela refuta e diz que um filme simplesmente “é”. E é nesta sensação constante de “ser”, no presente do indicativo, que este sensível trabalho de Bárbara se apoia. 

Premiado no Festival de Veneza de 2019 e escolhido para tentar uma vaga na categoria de melhor filme internacional no Oscar do ano que vem, o documentário convida o espectador ao mundo do cineasta Hector Babenco, pelos olhos de Bárbara (quase que um ‘8 ½’ às avessas), com quem ele foi casado até a morte, em 2016. Como resultado, é mais do que uma homenagem a um dos grandes do nosso cinema: “Babenco” transborda amor em cada frame.

Um sentimento que pontuou a carreira do diretor. Já no início do documentário, ele indaga como se faz um filme, e engata logo a resposta: “com amor”. Mais tarde, como só alguém que lutou contra um câncer por três décadas enquanto continuava a produzir poderia fazer, bifurca os desejos: “Não sei o que vinha primeiro: filmar ou estar vivo”. 

ETERNIDADE DO INFINITIVO

É uma experiência agridoce revisitar sua obra, que, por mérito da montagem de Cao Guimarães, parece se confundir com sua existência, e misturar morte e vida, como no registro em que ele canta “Cheek to Cheek”, e sai pela porta – em seu derradeiro filme, “Meu Amigo Hindu”, vemos Willem Dafoe cantando a mesma música, envolto por aparelhos, em uma cama de hospital. 

Assim como em “Força Estranha”, canção de Caetano Veloso usada em cena emblemática de “Pixote – A Lei do Mais Fracos” (e lembrada no filme de Bárbara Paz), há uma “força” que o leva a seguir, sem parar. Logo, se percebe que não há bifurcação, e sim um único caminho. A fotografia em preto e branco, assinada por Stefan Ciupek e Carolina Costa, acentua as intenções do filme enquanto despedida, mas também confere ares de registro caseiro e produção confessional. 

Há uma honestidade latente, e isso não se resume à franqueza com que Babenco fala sobre a doença e o futuro, ou como ensina a companheira a usar a câmera. Mais do que isso: “Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” é um trabalho corajoso de Bárbara, que abre seu coração para ouvir e realizar os sonhos de Hector até os últimos segundos do filme. Como o mesmo diz, ele não morre, deixa de “ser”, e, quando o documentário de Bárbara Paz termina, o espectador vai do presente do indicativo à eternidade do infinitivo.

CRÍTICA | ‘Deadpool & Wolverine’: filme careta fingindo ser ousado

Assistir “Deadpool & Wolverine” me fez lembrar da minha bisavó. Convivi com Dona Leontina, nascida no início do século XX antes mesmo do naufrágio do Titanic, até os meus 12, 13 anos. Minha brincadeira preferida com ela era soltar um sonoro palavrão do nada....

CRÍTICA | ‘O Sequestro do Papa’: monotonia domina história chocante da Igreja Católica

Marco Bellochio sempre foi um diretor de uma nota só. Isso não é necessariamente um problema, como Tom Jobim já nos ensinou. Pegue “O Monstro na Primeira Página”, de 1972, por exemplo: acusar o diretor de ser maniqueísta no seu modo de condenar as táticas...

CRÍTICA | ‘A Filha do Pescador’: a dura travessia pela reconexão dos afetos

Quanto vale o preço de um perdão, aceitação e redescoberta? Para Edgar De Luque Jácome bastam apenas 80 minutos. Estreando na direção, o colombiano submerge na relação entre pai e filha, preconceitos e destemperança em “A Filha do Pescador”. Totalmente ilhado no seu...

CRÍTICA | ‘Tudo em Família’: é ruim, mas, é bom

Adoro esse ofício de “crítico”, coloco em aspas porque me parece algo muito pomposo, quase elitista e não gosto de estar nesta posição. Encaro como um trabalho prazeroso, apesar das bombas que somos obrigados a ver e tentar elaborar algo que se aproveite. Em alguns...

CRÍTICA | ‘Megalópolis’: no cinema de Coppola, o fim é apenas um detalhe

Se ser artista é contrariar o tempo, quem melhor para falar sobre isso do que Francis Ford Coppola? É tentador não jogar a palavra “megalomaníaco” em um texto sobre "Megalópolis". Sim, é uma aliteração irresistível, mas que não arranha nem a superfície da reflexão de...

CRÍTICA | ‘Twisters’: senso de perigo cresce em sequência superior ao original

Quando, logo na primeira cena, um tornado começa a matar, um a um, a equipe de adolescentes metidos a cientistas comandada por Kate (Daisy Edgar-Jones) como um vilão de filme slasher, fica claro que estamos diante de algo diferente do “Twister” de 1996. Leia-se: um...

CRÍTICA | ‘In a Violent Nature’: tentativa (quase) boa de desconstrução do Slasher

O slasher é um dos subgêneros mais fáceis de se identificar dentro do cinema de terror. Caracterizado por um assassino geralmente mascarado que persegue e mata suas vítimas, frequentemente adolescentes ou jovens adultos, esses filmes seguem uma fórmula bem definida....

CRÍTICA | ‘MaXXXine’: mais estilo que substância

A atriz Mia Goth e o diretor Ti West estabeleceram uma daquelas parcerias especiais e incríveis do cinema quando fizeram X: A Marca da Morte (2021): o que era para ser um terror despretensioso que homenagearia o cinema slasher e também o seu primo mal visto, o pornô,...

CRÍTICA | ‘Salão de baile’: documentário enciclopédico sobre Ballroom transcende padrão pelo conteúdo

Documentários tradicionais e que se fazem de entrevistas alternadas com imagens de arquivo ou de preenchimento sobre o tema normalmente resultam em experiências repetitivas, monótonas e desinteressantes. Mas como a regra principal do cinema é: não tem regra. Salão de...

CRÍTICA | ‘Geração Ciborgue’ e a desconexão social de uma geração

Kai cria um implante externo na têmpora que permite, por vibrações e por uma conexão a sensores de órbita, “ouvir” cada raio cósmico e tempestade solar que atinge o planeta Terra. Ao seu lado, outros tem aparatos similares que permitem a conversão de cor em som. De...