Paul Verhoeven (“Elle”, “Tropas Estelares”), está de volta – e continua em excelente forma. Seu mais novo filme, Benedetta, exibido no Festival de Londres deste ano após sua estreia em Cannes, vê o diretor holandês empregando sua verve cáustica à serviço de uma história sobre fanatismo e sexo que levanta o dedo do meio para as estruturas de poder religioso.

Benedetta Carlini (Virginie Efira) é uma mulher que cresce num convento italiano no séc. XVII, onde tudo o que conhece é a devoção cristã sob o olhar sanguinário da abadessa Felicitá (Charlotte Rampling). Quando a jovem local Bartolomea (Daphne Patakia) inicia os estudos de freira, Benedetta se vê diante de uma atração sexual que mexe com a sua fé. Ao mesmo tempo, alucinações vívidas lhe tornam uma figura adorada e a fazem subir na hierarquia do lugar.

CONVENTO À LA ‘GOT’

Carlini realmente existiu e o longa se inspira livremente no livro de não-ficção da acadêmica Judith C. Brown sobre a freira para criar uma sátira que subverte o filme de época e que explora o que acontece quando ambição política, confusão sexual e fervor religioso se encontram. O resultado parece um bem-humorado (mas não menos violento) episódio de “Game of Thrones” em um convento.

É curioso que Gerard Soeteman, roteirista inicialmente atrelado ao projeto e colaborador de longa data de Verhoeven, tenha decidido se afastar da produção alegando que ela estava se focando exageradamente no caráter sexual da história. Certamente, o roteiro, escrito pelo diretor juntamente com David Birke, não se exime de mostrar corpos femininos em busca do mais mundano dos êxtases. No entanto, “Benedetta” não é um filme obcecado por sexo, mas é profundamente interessado no potencial dele como agente de desordem social.

Que Verhoeven consiga tratar um material tão denso e solene com escárnio é a prova do quão vital seu cinema continua, mesmo com sua longeva carreira que compreende 40 anos e três países. Há tanto humor neste filme que o espectador desatento pode deixar o subtexto contundente passar batido e ainda sair da sala de cinema satisfeito.

SEM TEMPO PARA CARIDADES

Os delírios que Benedetta tem com um Jesus pimpão pra lá de sexy e quase qualquer das cenas com Felicitá no primeiro ato são de rachar o bico. Tente não rir quando a abadessa barganha para receber um dote maior para que Benedetta entre ao convento ou quando ela inicialmente nega o pedido de refúgio de Bartolomea dizendo: “Convento não é lugar de caridade”.

Ambas as personagens entram em rota de colisão. Benedetta se enamora do poder que suas visões divinas lhe dão e isso a leva a decisões cada vez mais egoístas e maquiavélicas. Apesar disso, sua crença segue inabalável. Na contramão, Felicitá se mostra uma serva abnegada de um Deus no qual não acredita e seu punho de ferro é a manifestação de um pragmatismo necessário a qualquer chefe administrativa (religiosa ou laica).

Com esses dois pontos de vista em embate, Verhoeven vai além da mera intriga e questiona qual é a real natureza da fé. Mesmo com essa missão hercúlea nas costas, “Benedetta” é divertido, envolvente e faz a maioria dos dramas de época parecerem tímidos em comparação. O filme pode não converter certas audiências (especialmente as mais pudicas), mas para o público fiel do cineasta, ele será abraçado como a mais pura liturgia.