É boa a sensação da redescoberta de um filme. Visto no Festival do Rio do ano passado, “Capitu e o Capítulo” não me causou grande impressão. À época, foi uma pena, em se tratando de um dos mais importantes cineastas vivos.

Pois culpemos a correria e a canseira próprias de um festival: o mais novo lançamento comercial de Julio Bressane tem, sim, muito a oferecer – a ponto de deixar o cérebro zunindo.

É que Bressane usa a obra de Machado de Assis – que, o Ensino Médio não nos deixa esquecer, foi um “realista” entre algumas boas aspas – como ponto de partida para uma lição de romantismo literário. No caminho, enquanto se debruça frontalmente sobre a obra de Álvares de Azevedo, Franco Sá e um sem número de nomes célebres, esbarra com algumas de suas outras preocupações cativas.

Falamos aqui, é claro, da atenção à encenação dos atores e à qualidade pictórica, mas também de uma certa atmosfera antropofágica tipicamente bressaneana no modo como o diretor articula suas diversas referências. É que se Bressane adapta “Dom Casmurro”, ele o faz através de hiperlinks.

A antiga e a moderna

O que aglutina todos esses impulsos diferentes é a sensibilidade pictórica única do diretor, que parece trabalhar a partir dos contrastes. Exemplo: o contraste entre o ornado dos figurinos e cenários com a lisura da imagem digital, sobrepondo diferentes temporalidades durante toda a projeção.

Mais um: a presença dos globais Vladmir Brichta (Bentinho) e Mariana Ximenes (Capitu) imersos nesse maneirismo-fabular-digital-bressaneano (o cinema de Bressane inspira esses falatórios na gente). Verdade que esse tipo de escalação no cinema do carioca não é bem uma novidade em meio aos seus mais de 50 filmes. Mas a presença dos atores em “Capitu e o Capítulo” chama a atenção, sobretudo porque uma das partes do par parece se sair melhor que a outra nesse cenário.

Especificamente, algo na forma empostada de Bressane traz o pior das poses de Ximenes à tona. Mas aqui é preciso dar o braço a torcer: é bem possível que o desconforto seja mera questão de sensibilidade – algo na frequência em que a voz de Ximenes opera que me roça os ouvidos de forma estranha; algo no halo global que envolve sua silhueta que me deixa titubeante. De todo modo, dessa vez não dá para culpar o Festival do Rio.

A terceira margem do rio

É também, é claro, “Capitu e o Capítulo” um filme sobre a própria erudição de Bressane. Por vezes, o diretor se move rápido demais, saltando de pedra em pedra sem medo da correnteza. A gente se detém na margem ainda um segundo, enquanto seu trajeto vai deixando um rastro visível à distância, rumo a coordenadas que, quando tanto, apenas vislumbramos.

Para colocar em termos matemáticos: o prazer que se extrai do filme só pode ser mesmo inversamente proporcional à miopia do espectador.