Analisem esta imagem. O que sente ao vê-la? Essa foto tornou-se um grande símbolo antiescravagista. O homem escravizado chama-se Gordon, mas a foto ficou conhecida como “Peter Chicoteado” demarcando os horrores da escravidão e de como corpos negros sofreram nas mãos dos brancos.

É nesse sentido que “Emancipation – Uma História de Liberdade” trata (ou deveria tratar) o tema. Com roteiro de William N.Collage e direção de Antonie Fuqua (“Dia de Treinamento”, 2001), o filme que deveria ser um drama histórico torna-se uma produção repleta de falhas.

Não se sabe da vida de Gordon além de que foi brutalmente violentado ao longo de sua vida enquanto escravizado. O que se sabe dele é essa foto e que foi liberto ao chegar a Baton Rouge, sendo incorporado ao exército. “Emancipation”, portanto, imagina o que foi a vida de Gordon a partir do momento em que ele é vendido e separado de sua família até a sua fuga para chegar a Baton Rouge, onde escravizados estavam sendo libertos depois da assinatura do Presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, em janeiro de 1863.

UM SUPER-HERÓI DESLOCADO NO TEMPO

Com uma fotografia muito bem elaborada em cores difusas, quase em preto e branco e grandes planos mata adentro dos pântanos, o filme realmente tem um visual eficaz que não se desenvolve em seu roteiro. Fuqua não decide se quer contar a história de Peter, a sua fuga em si ou sobre a Guerra Civil Americana de 1863. E essa mistura não foi proveitosa.

Gordon (Will Smith) passa mais da metade de “Emancipation” em fuga pelos pântanos. Há uma cena de briga tão interessante quanto surreal dele com um jacaré; lógico, ele sai vencedor. A tensão entre ser pego pelo sádico capataz Fassel (Ben Foster, ótimo) também garante boas cenas. Mas tudo fica muito raso.

Há muita brutalidade nas falas e atitudes desses homens brancos, mas parece que é muito mais para chocar o espectador do que causar alguma reflexão. Em certa cena, depois de matar um escravizado à queima-roupa, Fassel vocifera com toda calma: “se achar um preto com ideias, é melhor matá-lo”. A brutalidade pela brutalidade soa, aqui, totalmente desconexa com a proposta de “Emancipation” que é humanizar a figura de Gordon/Peter, mas a ideia de torná-lo quase que um super-herói em um filme de ação, com suas figuras imbatíveis, torna tudo menos convincente. Até o apego dele com a fé e em Deus soa planfetário para mostrar que, acima de tudo, ele tinha Deus e a confiança que tudo daria certo.

Vamos lembrar que o catolicismo e a figura de Deus foi totalmente imposta para os negros escravizados? Até seus nomes, suas origens foram apagados em seu nome e da salvação de sua alma. Uma crítica fundamentada nesse sentido faria muito mais sentido.

Salva-se o apego de sua esposa Dodienne (Charmaine Bingwa, maravilhosa) para manter a integridade, se é que podemos falar sobre integridade sendo escravizado, e de seus filhos na esperança de rever o marido.

“Emancipation – Uma História de Liberdade” não humaniza seu personagem, tentando fazer dele um super-herói. E não, não será dessa vez que um ator venceria o segundo Oscar seguido, se não fosse o tapa que, diga-se, não foi tão injusto assim.