Igual ocorrera em 2017 quando a bizarra desorganização levou ao anúncio equivocado de Melhor Filme, o Oscar 2022 entrará para a história por motivos menos gloriosos. Esqueça a vitória de “Coda” em cima de “Ataque dos Cães”, as divertidas homenagens, o estranho In Memorian ou o corte de oito categorias da transmissão ao vivo.  

O único assunto que ficará para sempre da noite de 27 de março será o tapa de Will Smith no rosto de Chris Rock em pleno palco do Teatro Dolby seguido dos sonoros gritos do astro de “King Richard” mandando o comediante calar a boca e não tocar no nome da esposa, a atriz Jada Pinkett Smith. 

Diante disso, precisamos partir de três pontos: um sobre Chris Rock, outro relativo a Will Smith e, claro, Jada Pinkett Smith.  

A OFENSA 

Chris Rock é sim um comediante talentoso; o sucesso de “Todo Mundo Odeia Chris” até hoje não é à toa assim como as arrasadoras performances de stand-up comedy ao longo da carreira. No próprio Oscar em 2005 e 2016, ele foi brilhante, inclusive, fazendo observações importantes referentes ao #OscarSoWhite. Ele, porém, cometeu o maior erro da carreira na noite deste domingo. 

Nenhum comediante por mais que tente transparecer estar improvisando entra em um palco sem saber o que falar. Há um mínimo de preparo, de estudo sobre quem estará no local ou os temas do evento. Imagine isso em um Oscar em que se sabe a visibilidade e o impacto positivo que uma boa performance ali terá para a carreira do sujeito – Amy Schumer, por exemplo, que o diga. 

Logo, é impossível Chris Rock dizer que não sabia sobre a alopecia de Jada, fato público desde 2018 quando a atriz veio a público e falou sobre a doença. Ora, se em questão de minutos, a internet já tinha a noção da razão da fúria de Will Smith por uma simples pesquisa no Google, como o comediante pode alegar desconhecimento?  

Recuso-me a dizer que se trata de uma piada – nem mesmo de mau gosto. Houve sim uma ofensa a partir de algo tão simbólico como é o cabelo a uma mulher negra que remete à ancestralidade, identidade, autoestima e tantos outros elementos que não me sinto capaz de apontar por não ter lugar de fala, mas, que qualquer pessoa com o mínimo de consciência e sensibilidade, respeitaria.  

Rock, entretanto, em nome de um pseudo humor, a expôs diante de amigos e colegas de trabalho e ainda amplificada ao ser transmitida ao vivo para milhões de pessoas mundo afora. Uma fala que certamente custará caro para ele. 

O DESCONTROLE e A SÚPLICA

Antes de mais nada, é preciso partir de um ponto fundamental no debate sobre Will Smith: qualquer tipo de violência é injustificada e o astro jamais poderia ter tido a atitude que tomou por maior que fosse a provocação. 

“Fácil dizer isso sentado no sofá e com o ar-condicionado. Não era a sua esposa sendo atacada”. Sim, concordo e nem digo que seja uma situação fácil. Pessoas que, de alguma forma, se expõe publicamente são colocadas diante de uma pressão absurda e constantemente alvos de violência das mais diversas formas, especialmente, nas redes sociais. 

Qualquer um pode ser alvo, inclusive, já tive minha experiência traumática ao ser ameaçado de morte no YouTube por simplesmente ter dito que não queria ver “Bohemian Rhapsody” vencedor do Oscar 2019. No final das contas, porém, se você reagir explosivamente, quem perde mais será justamente quem está mais exposto. 

E Will Smith experimentou isso na pele no Oscar 2022: velho conhecido de Hollywood desde o início dos anos 1990 quando explodiu na série “Um Maluco no Pedaço”, ele vivia a noite da consagração de toda uma carreira. Afinal, quebrou possíveis preconceitos dos pares em ser visto “apenas” como uma estrela divertida, carismática e até talentosa, mas, não a ponto de conquistar a estatueta dourada. Com “King Richard”, ele superou isso e foi celebrado no Globo de Ouro, Critics Choice, Bafta e SAG. O Oscar era a última linha. 

Quando Chris Rock soltou as ofensas que soltou, Will Smith só tinha a perder em qualquer reação momentânea ali. E perdeu. 

Ao subir ao palco após ser anunciado pelo trio de “Pulp Fiction”, Samuel L. Jackson, John Travolta e Uma Thurman, como ganhador de Melhor Ator, Will Smith tentou se consertar. Falou sobre amor e proteger a família, remeteu ao protagonista de “King Richard”, as irmãs Serena e Venus Williams, Aunjanue Ellis e tudo o que poderia.  

O astro, entretanto, aos prantos e trêmulo, reconheceu o erro ao pedir desculpas a todos os indicados e à Academia, afinal, sabia que ele e Chris Rock eclipsaram tudo o que ocorrera naquela noite. Era a confissão de que estragara a celebração de Hollywood. No término do discurso, veio a súplica desesperada de que o deixassem voltar um dia ao Oscar. 

Tarde demais. 

O SILENCIAMENTO DE JADA 

Em texto no site Universa, do UOL, a brilhante Nina Lemos definiu como uma volta ao tempo a treta entre Chris Rock e Will Smith. Nada de uma nostalgia boa, claro, mas, sim o retorno das piadas de mau gosto para diminuir as pessoas por conta de seus corpos e a reação sendo a violência pura. 

Neste cenário, impossível deixar de pensar na grandeza de Jada diante daquele show de horrores. Após escutar a ofensa de Rock, a estrela respirou fundo, olhou para o lado, mas, deixou muito claro como tinha se sentido com o que acabara de escutar.  

Há quem considere a reação de Will Smith como uma defesa à honra da esposa, mas, observo mais como a reação de macho ofendido por um ataque a uma suposta fêmea indefesa – algo que não cabe à Jada, uma mulher repleta de personalidade como demonstra por décadas dentro e fora das telas – e de propriedade dele (repare a ênfase dele ao falar “MY wife”). Tanto que os holofotes todos foram para ele – Denzel Washinton e Tyler Perry indo consolá-lo seguido pelo discurso -, mas, Jada até agora não foi vista nem ouvida como se nem existisse. 

Esta invisibilidade e silenciamento da mulher negra não chega a ser novidade na sociedade muito menos no Oscar – até hoje, em 94 edições, foram 93 mulheres brancas ganhadoras de Melhor Atriz e apenas Halle Berry oscarizada na categoria. E a confusão deste Oscar deixa explícito como retrocedemos muitas casas após anos de supostos avanços.