Há algo que sempre me chama atenção em “Gênio Indomável”, filme dirigido por Gus Van Sant com roteiro de Matt Damon e Ben Affleck: a parceria entre terapeuta e paciente. Poderia dizer, por exemplo, que o elemento que transborda neste filme é a química de Matt Damon com todos os atores com quem contracena, no entanto, resolvi destacar cinco motivos que tornam, de certa forma, a história de Will Hunting memorável.

1. A complexidade do roteiro

Affleck e Damon nos fazem acompanhar a trajetória de Will Hunting (Damon), um jovem encrenqueiro com grande conhecimento e talento para a área de exatas que trabalha como faxineiro em uma universidade. Prestes a ser enviado para a cadeia, o professor Lambeau (Stellan Skarsgard) se responsabiliza por ele diante do júri, ao descobrir que o rapaz é capaz de resolver complexos problemas matemáticos. Como parte do acordo, Will precisa fazer terapia. O escolhido é o psicólogo Sean Maguire (Robin Williams) que se interessa por auxiliá-lo a lidar com suas emoções e direcioná-lo na vida. 

No primeiro momento, a ideia que a sinopse passa é de um filme clichê de superação, no entanto, o roteiro se escalona de maneira que suas engrenagens nos mantém envolvidos conforme os dramas desses personagens se revelam. Affleck e Damon não se agarram a saídas fáceis e maniqueístas para contar essa narrativa; ao contrário, investem em diálogos despretensiosos e profundos, os quais pouco a pouco desnudam o protagonista e todos os que estão a sua volta, especialmente o terapeuta, ao mesmo tempo em que discutem temas que prevalecem importantes.

Um exemplo disso é a forma como debatem sobre o estudo livre e a educação superior, representados por Hunting e sua namorada Skylar (Minnie Driver), os quais simbolizam lados opostos dessa equação. Há ainda outros temas pertinentes e tratados de forma respeitosa e carregada de afeto como o abandono emocional e o luto. Isso decorre porque o texto da dupla é astucioso, nos conduzindo por questões filosóficas que se misturam ao cotidiano e as dores dos personagens.

2. A catarse 

Aristóteles em sua obra “Poética” compreende a catarse como um expurgo. Para o filósofo, esta representava a purificação das almas. Assim, ocorria por meio de uma grande descarga de sentimentos e emoções, contempladas na tragédia. Freud aproveitou o conceito para aplicar em um método psicoterapêutico, o qual vemos se desenvolver desde o primeiro encontro entre Maguire e Will, uma vez que sua aplicabilidade afasta os sentimentos doentios enquanto faz o paciente lembrar e falar de sua situação traumática. 

É certo que o destino de Will é bem diferente de Édipo, Medeia e outros heróis trágicos, no entanto, é curioso que a condução da história nos encaminhe constantemente para um momento de libertação. Conforme ele se desnuda para o público, fica nítido os traumas que o acompanham, ainda que demore a colocá-los para fora e é justamente esta expectativa que torna seu momento de expurgo tão delicado e emocionante. Seja na construção de cena do término de seu relacionamento com Skylar, seja no momento em que assimila que não tem culpa das situações que o magoaram de alguma forma. Damon brilha em todas essas sequências e aumenta a empatia que já nutrimos pelo protagonista.

Por outro lado, o terapeuta também passa pelo seu momento de catarse. Ainda que não seja algo tão forte e vivaz quanto o do personagem central, Maguire manifesta suas dores e seu luto durante as sessões, o que paulatinamente também o conduz para a sua catarse. Tais libertações também nos tocam enquanto assistimos o filme e são expressas por meio de silêncio, suspiros e lágrimas. 

3. Hunting, um herói moderno

Um dos arquétipos de heróis na literatura é o herói moderno, que se sente abaixo dos  homens comuns, reconhecendo suas inseguranças em relação a realidade em que se encontra, o que também o torna um herói melancólico. Moralmente é uma figura abatida com contradições e fraquezas expostas e seus conflitos resultam dos elementos que compõem o mundo moderno. Hunting é esse tipo de herói. 

Desde que sua figura entra em cena, há um trabalho de corpo do ator que torna o personagem fragilizado, ainda que seja um jovem forte e saudável. O silêncio que o permeia em meio aos risos e brincadeiras de seus amigos acentuam não apenas sua diferenciação intelectual frente a eles quanto suas próprias inseguranças e vulnerabilidades.

Parte disso se deve ao olhar sensível que o jovem Matt Damon emprega em Will Hunting – o que também o distancia da interpretação dos irmãos Affleck -, ele porta sensibilidade, curiosidade misturada a arrogância e ímpeto do final da adolescência, aplicada a uma dose de niilismo. Não à toa, as portas de Hollywood se abriram para ele após esse papel. 

4. A química e o elenco

Como já foi dito, se há algo que chama atenção em “Gênio Indomável” é a química latente que há entre os personagens. Além da complementaridade que o roteiro incide entre eles. Enquanto o professor Lambeau enxerga a mente brilhante de Will, cabe ao personagem de Robin Williams ter a percepção do que sonda a alma do rapaz e como seus traumas o conduziram até ali. O papel de Williams é muito semelhante à figura de um mentor, ele não está ali para passar a mão na cabeça de Will, mas para lhe ofertar compreensão e entendimento de suas ações e consequências, algo próximo do que fizera em “Sociedade dos poetas mortos”. O ator conquistou o Oscar pela sua interpretação de Sean Maguire. 

Quem também se destaca é Minnie Driver como o interesse amoroso de Will. Tanto a atriz quanto a personagem crescem no decorrer da trama, ganhando camadas conforme o relacionamento se adensa e se torna mais crível, a ponto de ocupar o foco central da narrativa. 

Se há um fio que liga as interpretações desse projeto, além da química palpável, é a sutileza com que cada personagem é desenvolvido, sendo discretos quando necessário e intensos nos momentos em que as emoções afloram, o que enriquece a trama e a aproxima do espectador.

5. O reconhecimento da Academia

“Gênio Indomável” teve nove indicações ao Oscar, incluindo a de melhor filme e direção para Gus Van Sant. A produção conquistou duas estatuetas: a de roteiro original e ator coadjuvante para Robin Williams, o único prêmio da Academia que o ator venceu, em quatro indicações. 

A vitória de Damon e Affleck pelo roteiro abriu as portas para ambos na Miramax, sendo um indicativo do que Affleck viria a produzir por trás das câmeras. Os amigos de infância e novatos no cenário conseguiram criar um estudo personagem complexo, mas carregado de afeto, discutindo questões pertinentes sobre a universalidade da vida e o que tanto incomoda a mente de alguém considerado genial, tornando este um filme memorável.