Estrelado pela icônica Julianne Moore, “Gloria Bell” é a produção mais recente de Sebastián Lelio. Responsável por obras como “Uma Mulher Fantástica” e “Desobediência”, o diretor chileno, mais uma vez, retrata a solidão e o isolamento da mulher contemporânea. O filme é um remake de “Gloria” (2013), que também é assinado pelo cineasta.

Julianne Moore interpreta uma mulher divorciada que busca escapar da solidão. Para isso ela recorre a vários métodos: nas músicas que entoa em todos ou momentos, nos relacionamentos casuais com homens que conhece na pista de dança, na tentativa de estar presente na vida dos filhos adultos. E o interessante é que essa solidão nunca é verbalizada, mesmo assim, ela é perceptível juntamente ao abandono que cerca a trama. Ambos estão entrelaçados ao roteiro por meio dos diálogos, relacionamentos e situações a qual a protagonista é submetida.

ESTADO DE ESPÍRITO PELA FOTOGRAFIA

“Gloria Bell” assume tons pastéis para destacar como Gloria enxerga com naturalidade e conforto suas relações. Mas o roteiro alinhado a fotografia são eficazes em estabelecer os constantes abandonos que permeiam a personagem e como isso a afeta. Conforme ela vai perdendo cada uma das pessoas que a cerca, as cores calmas e quentes dão lugar para composições frias e em tons mais escuros. A fotografia de Natasha Braier procura transpor o estado de espírito de Glória, sempre a enquadrando com as pessoas que são importantes para ela. Mesmo em meio a diálogos, a protagonista dificilmente aparece em contraplanos sozinha. Há uma preocupação constante em expressar sua necessidade de não estar só, nem que para isso esteja apenas ela e seu gato.

Ao mesmo tempo em que Braier se preocupa em não enquadrar a personagem sozinha, ela também demonstra o quanto as pessoas se afastam de Gloria e a substituem por outras atividades.  Os enquadramentos, por exemplo, raramente são fechados na protagonista, porém, estão sempre abertos ou em plano americano para que outros elementos possam aproximar-se dela. Isso acaba por distanciá-la da tela e, consequentemente, do público. Tal situação fotográfica acaba por provocar outra leitura: Gloria está sempre tendo seu espaço invadido. 

Quem exemplifica essa invasão é Arnold (Turturro), que surge como um contraponto à personagem. Ele é frustrado em relação a tudo aquilo que é tido como natural na vida de Gloria, principalmente, na maneira como ela lida com os seus relacionamentos interpessoais. Por não saber lidar com sua insatisfação, o personagem abandona constantemente tanto a ex-esposa quanto Gloria em momentos inoportunos e sem explicações prévias. Entretanto, por mais incômoda que sua atitude covarde, é por meio dele que Gloria compreende que se autovalorizar é a condição base para qualquer tipo de relacionamento.

TOTAL ECLIPSE OF THE HEART

Nesse ínterim algo que complementa a performance de Moore, possibilitando uma construção mais compreensível da trajetória de Gloria, são as canções que embalam a produção. A música é uma constante na vida da personagem, sendo usada para indicar seu espaço-tempo e estado de espírito. A sensação que perpassa é de vermos o roteiro sendo cantado pela figura central do filme.

Trabalhada de forma diegética, a trilha sonora é desdobrada de maneira explicita e metafórica, captando cada uma das percepções que afloram em Gloria. Uma das cenas em que isso se destaca é seu término com Arnold, no qual o trecho de “Total Eclipse of The Heart”, de Bonnie Tyler, expressa exatamente o que havíamos visto e vemos na vida da personagem.

“Gloria Bell” não consegue alcançar o mesmo nível de amadurecimento que há em “Uma Mulher Fantástica” e “Desobediência”, entretanto, é uma oportunidade de perceber o quanto o olhar do Sebástian Lelio se transformou desde o primeiro projeto em 2013. O grande mérito do filme é o conceito de que a felicidade não está em terceiros, mas no autoreconhecimento e na independência em curtir a própria presença.