O cinema de Darren Aronofsky não é um dos mais fáceis de digestão pelo grande público e isso não vem de hoje: desde o seu segundo trabalho Réquiem para um Sonho (2000), o cineasta vem polarizando debates sobre suas obras, entre o amor e ódio e da fronteira tênue entre o valor do artista e da pretensão. Uma coisa é certa, o cineasta tem culhões, coragem e coerência nas suas obsessões autorais de explorar o limite da alma humana entre seus delírios e realidades por meio da figura do mito. É um dos raros realizadores que tira o espectador da sua zona de conforto, mesmo que ao final da experiência, ela não tenha proporcionado boas emoções.

mãe!, sétimo trabalho do diretor, é sem dúvida, o filme que encerra duas trilogias na sua filmografia: a primeira centrada na investigação religiosa e existencialista que ele começou em Fonte da Vida (2005) e seguiu por Noé (2014). A segunda é a combinação de seus thrillers de horror que refletem as obsessões e delírios de seus protagonistas presentes em Réquiem e Cisne Negro (2010).

Na trama, o casal vivido por Javier Bardem e Jennifer Lawrence tem seu relacionamento testado quando um estranho casal (Ed Harris e Michelle Pfeiffer), chega a sua casa, distante da civilização. Aos poucos, a rotina do casal vai sendo alterada e falar mais do que isso é estragar as várias surpresas do filme.

Em mãe!, Aronofsky faz o seu filme mais provocativo e niilista – algo que parecia impossível superar levando em conta o pesadíssimo Réquiem– como se em 120 minutos de duração, o diretor testasse e manipulasse a todo momento, as emoções do espectador e o direcionasse muitas vezes, a questionar suas convicções e valores, como se o filme insistisse em nós tirar da comodidade, independente se aquilo que estamos assistindo, nos agrada ou não. É uma obra que exala paixão e emoção, não necessariamente as boas, e sim as ruins como raiva, inquietação e a loucura.

Do ponto de vista do cinema de horror, Aronofsky bebe diretamente da fonte do horror psicológico de Bebê de Rosemary (1969) e Repulsa ao Sexo (1964) de Roman Polanski. Somos levados a se identificar com uma personagem perturbada psicologicamente (semelhante à de Natalie Portman em Cisne Negro), onde acompanhamos a jornada narrativa de J.Law com desorientação e perturbação, cujo trabalho de câmera claustrofóbico de Aronofsky amplifica essas sensações desnorteadoras.

Com isso, temos um trabalho que faz belas referências ao surrealismo do espanhol Luis Buñuel de O Anjo Exterminador (1962) principalmente pelo tom misterioso e estranho que impregna cada sequência narrativa. Os eventos estranhos que acontecem dentro da casa com a personagem de Jennifer estimulam a curiosidade mórbida do público, contagiando-o com o viés psicológico, de ficarem imersos pelos estranhos fatos apresentados: afinal, o que está acontecendo? Seria loucura da personagem ou tudo não passa de eventos místicos?

 Se em Anjo tínhamos um grupo de burgueses ricos que não conseguiam deixar a mansão de uma festa por uma força misteriosa invisível que os impedia de agir, em mãe! a protagonista em nenhum momento consegue abandonar a casa motivada por suas crenças pessoais e divinas, diferente do público que tem o livre-arbítrio de ficar ou sair da sala de cinema –  os que ficarem intrigados com a proposta, ficarão para saber até onde o diretor vai nos levar, enquanto os demais sairão da sessão emputecidos. Assim como Buñuel, Aronofsky brinca com o poder do mito por meio de metáforas, símbolos e ideias que ajudam a reinterpretar essas histórias sob enfoque religioso-existencial extremamente polêmico – a visão de um Deus vaidoso retratada pelo filme é polêmica e com certeza, mexerá com os princípios mais conservadores.

O texto de mãe! é sem dúvida uma alegoria bíblica, singular em muitos aspectos. Temos interpretações que utilizam elementos que vão do Novo ao Velho Testamento e que fogem daquilo visto dentro da esfera comercial do cinema atual. O diretor explora os simbolismos das figuras bíblicas, utilizando um subtexto que debate os mitos e ícones, relacionados ao poder de criação e destruição, idolatria, amor ao próximo e principalmente o lar como metáfora para natureza e vida, concepção que o aproxima do clássico Árvore da Vida de Terrence Malick. E apesar de todas as polêmicas sobre o papel feminino propagado pelo filme, que muitas alegam ser misógino, a mensagem final passada pelo diretor é da mulher que está sempre evoluindo emocionalmente, diferente do homem, perdido na sua vaidade e egoísmo. Aronofsky mostra que os martírios sofridos pela personagem em vários momentos do filme são alguns reflexos das ações violentas que a mulher sofre em nossa sociedade machista, funcionando como alegoria dos tempos atuais.

Ainda que exista uma riqueza simbólica dentro do texto de Aronofsky, nem sempre ele acerta os pontos que mira. A impressão é que diretor no ato final apocalíptico se perde nos seus excessos, e nem sempre consegue organizar da melhor forma suas ideias. Há uma coragem da sua parte em desenvolver o aspecto visceral do seu enredo, porém, os excessos das suas auto-explicações didáticas neste segmento final acabam criando uma torre babel apocalíptica que toma rumos tão absurdos que, em dado momento, fica a impressão que o diretor não sabe a hora de parar ou então justificar melhor seus questionamentos, evidenciado um final carnavalesco e grosseiro.

Se a narrativa de mãe! oscila, tecnicamente o filme é impecável. A direção de arte de Isabelle Guay impressiona na forma em que dá vida a casa, com uma riqueza de detalhes que acentuam os efeitos visuais e sonoros do filme, que praticamente é impossível não associar o cenário como um organismo vivo (a terra e sua natureza) para as metáforas do texto. A composição sonora de Jóhann Jóhannsson, mistura a melodia com o instrumental e seus sons tribais que ajudam na sensação intimista e misteriosa que vai deixando o espectador com a sensação de estar sendo invadido por emoções nada agradáveis.

É claro que Aronosfky é o grande maestro desta opera insana bíblica cinematográfica. Como uma das principais vozes do cinema moderno, seu trabalho audiovisual é sempre incômodo, com planos próximos ao rosto – do início ao fim a câmera se fixa no rosto de Lawrence – deixando uma constante sensação de claustrofobia, que trabalha tensão constante e o clima sufocante de isolamento. O fato dele sempre utilizar uma câmera circular e trêmula em várias cenas, provoca um senso de desorientação. Neste ponto deve se elogiar a atuação de Lawrence, que aliás, entrega ao público o seu papel mais desafiador no sentido dramático desde Inverno da Alma (2010). Se não é fácil para uma atriz ter que interpretar uma personagem que é praticamente stalkeada pela câmera, Jennifer tem o total mérito de transbordar em gestos, olhares e voz, um viés tanto doce quanto insano da sua personagem. O restante do elenco também segue a solidez da atriz: depois de pagar suas contas no novo Piratas do Caribe, Javier Bardem cria uma figura ambígua que seduz e provoca asco no público. Os veteranos Ed Harris e Michelle Pfeiffer tem oportunidade de brilharem por apostarem em composições ousadas e perversas dos seus personagens.

O fato é que mãe! é uma obra intrigante, complexa e ousada, ainda que repleta de excessos e exageros. Reproduz um autor que adora se exaltar e que se revela hábil em unir vários gêneros cinematográficos e proporcionar sentimentos tão ambivalentes como amor e ódio em um só filme. mãe! é provocação pura ao espectador, um filme que com certeza não foi feito para agradar e sim para pensar e estimular divagações no espectador sobre a natureza destrutiva do homem e no que a sociedade é hoje. Rico em suas alegorias e signos, o novo trabalho de Aronofsky é para ser amado e odiado na mesma intensidade, assim como relacionamentos e filmes contraditórios devem ser na sua essência.