Quando li esse título a primeira vez, pensei que deveria se tratar de mais uma história patriarcal romântica e eu não poderia estar mais enganada. Dirigido por Kristoffer Borgli e protagonizado por Nicolas Cage, “O Homem dos Sonhos” aborda de forma discreta o fenômeno midiático e como este impacta na vida das pessoas. Embora esta seja a discussão latente do projeto, o cerne do filme se concentra realmente no que seu título diz: um homem e como ele está presente nos sonhos alheios.  

Cage interpreta Paul Matthews, um professor universitário que começa a surgir nos sonhos de várias pessoas, mesmo aquelas que não convivem consigo e não o conhecem. Curiosamente, a aparição se assemelha a de um figurante, uma vez que ele está ali e não interfere em nada do que acontece dentro da narrativa onírica, o que aponta para duas condições: a personificação do personagem e o imaginário que o roteiro de Borgli suscita.  

Paul vs Sonho 

Quanto ao protagonista, a primeira hora de filme o constrói como um sujeito miserável, no sentido de viver uma vida medíocre e entediante. Diferentemente da educação brasileira, na qual o professor de uma universidade pública para manter o status quo necessita publicar e fazer pesquisa, nos EUA, existe segmentos diferenciados e opções de trabalho para quem quer ficar na pesquisa ou lecionar. Paul escolhe dar aulas, mas a sensação que passa é que se amargura por isso, uma vez que o seu grande propósito é encontrar alguém que aceite publicar um livro da tese em que trabalho.  

Para tanto, qualquer auto promoção vira uma oportunidade de querer ser publicado, mesmo que valha ameaças e tentativas de golpe sobre colegas que escolheram seguir como pesquisadores. Cage parece se divertir em interpretar Paul com toda a vibe rabugenta e medíocre. Mais do que isso: o astro parece confortável na personagem de forma que seu trabalho se engrandece.  

Dá para dizer o mesmo de Borgli: o diretor e roteirista aproveita o imaginário coletivo e a relação largamente alicerçada de Cage com o público para criar toda a atmosfera que alimenta “O Homem dos Sonhos”. Ele mergulha no poder onírico que o cinema pode propulsar para oferecer possibilidades visuais e narrativas, além de novas leituras para explorar a criação de fenômenos midiáticos. Nesse processo, lembrei bastante de “Corpo e Alma”, de Ildiko Enyedi, e a complexidade e profundidade que os sonhos evocam nos enredos. Afinal, por que alguém aparece nos meus sonhos? E com tanta frequência?  

Embora Borgli não esteja em busca dessas respostas — o que torna seu filme divertido até certo ponto —, ele perde pela repetição exaustiva que faz de certos elementos e plots ao longo da projeção. O espectador tem acesso aos sonhos e ao impacto que estes causam no personagem central e nas pessoas que orbitam em torno dele como sua filha, sua esposa e a ex-namorada. O enredo, no entanto, começa a perder o ritmo quando decide mostrar também os sonhos dos alunos de Paul, não acrescentando nada a trama, a não ser a saturação do onírico. O roteiro falha ainda por lidar de maneira descuidada com a repercussão dos sonhos.  

A cultura do cancelamento  

Diante da aparição em tantos sonhos, Paul se torna uma subcelebridade. Em determinada sequência, ele se encontra com um grupo de profissionais para o acompanharem em sua ascensão midiática. A forma como os profissionais e o protagonista são enquadrados e a distância estabelecida no cenário entre eles evidencia a compreensão sobre o momento e a distinção com que o encaram. Enquanto para eles, mantê-lo em projeção é o objetivo, Paul segue com seu anseio de escrever um livro e ser reconhecido por seu trabalho enquanto pesquisador e professor.  

É interessante como o filme aproveita isso para salientar o surgimento dos fenômenos midiáticos, enfatizando que ao mesmo tempo em que surgem, também desaparecem. Nesse processo, o protagonista enfrenta o famigerado cancelamento. A partir do momento em que começa a ser um personagem altivo no mundo onírico, sua presença neste espaço deixa de ser divertida para tornar-se aterrorizante. Paul de figura carismática passa a ser um cara odiado e cancelado.   

Me chama atenção o quanto o idealismo de utilizar os sonhos para ser aceito socialmente e alcançar seus devaneios o impedem de perceber os perigos que surfar na onda de um fenômeno podem lhe oferecer. Paul tem algo sólido quando a narrativa começa e, no decorrer desta, vê tudo esvair-se enquanto tenta ser algo que não é, o obrigando a impor-se a um auto ostracismo e a tornar-se o que não queria: um meme.   

Cage sabe muito bem o que é isso, o que torna a narrativa de “O Homem dos Sonhos” mais emblemática do que sua narrativa aparenta ser.