O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia da década de 1980 – Bill Murray, Dan Aykroyd e Harold Ramis – e pelo ótimo timing do roteiro em improvisar o humor satírico do que propriamente pela história em si, que até envelheceu em certas passagens. 

Em outras palavras, a fórmula de “Os Caça-Fantasmas” era bastante simples e esperta na sua combinação de interligar o humor e o terror para criar uma aventura fantástica cínica com uma capacidade impressionante de divertir. Depois de uma continuação lançada cinco anos depois (“Caça-Fantasmas 2”, esnobada no universo da franquia, ainda que longe de ruim), a série ficou no limbo por décadas até ser revisitada em 2016 no reboot feminista, mais lembrado pelas polêmicas em torno dos comentários misóginos que proliferam nas redes sociais do que pela comédia inofensiva que naufragou nas bilheterias. 

Em 2021, tivemos mais uma repaginação desta vez pelas mãos de Jason Reitman (filho de Ivan Reitman, diretor dos dois primeiros longas) que espertamente explorou a nostalgia para resgatar o olhar saudosista dos anos 1980 por meio de uma narrativa que procurava possibilitar um futuro a marca abordando o seu passado. 

Intitulado de “Ghostbusters: Mais Além” era uma bonita declaração à franquia, ao legado do pai e aos personagens, que homenageava os anteriores, sem se prender a um saudosismo manipulativo e procurava inserir um novo contexto aquele universo, ao introduzir simpáticos novos personagens – no caso, crianças e jovens para surfarem na crista da onda de “Stranger Things”, sucesso em voga na época-, para interagirem com os antigos. Em outras palavras, era esperto em renovar o seu material, sem precisar mudar drasticamente a sua proposta. 

Tudo o que fazia girar bem a roda do filme anterior na passagem de bastão a partir das escolhas confortáveis tanto para agradar o pessoal das antigas quanto a nova geração, em “Ghostbusters: Apocalipse de Gelo” é congelado literalmente a partir de uma dinâmica preguiçosa entre os envolvidos e um roteiro muito inferior ao antecessor – que diga de passagem estava longe de ser admirável, mas tinha competência em proporcionar o impacto nostálgico necessário. 

Este quinto capítulo da saga traz a família Spengler retornando ao quartel icônico de Nova York, onde os Caça-Fantasmas originais atuaram nos anos de ouro, quando um artefato antigo libera uma força do mal e obriga os novos e antigos a se juntarem para impedirem que a cidade sofra um apocalipse glacial conforme sugerido pelo subtítulo da produção. 

Dificuldade de desapegar do passado

“Apocalipse de Gelo” tem como principal entrave na sua narrativa, as decisões e escolhas problemáticas do seu roteiro. A maior delas é negar a realidade deixada pela obra anterior – o legado de despedida dos personagens clássicos depois de completarem a sua missão – para dar um novo foco aos jovens. Fica evidente aqui o excesso de devoção ao passado, o que produz uma espécie de “dependência emocional” e que dificulta o filme desapegar-se dele, freando a franquia de buscar novos rumos por não resistir à tentação de misturar o novo e o velho. 

Isso acaba afetando consideravelmente os novos protagonistas do universo “Ghostbusters”. Phoebe (Grace McKenna) e Podcast (Logan Kim) que se destacaram no longa de 2021, são enfraquecidos porque o roteiro não dá sustentação as suas trajetórias. Inclusive, a atriz mirim brilha menos aqui, com uma subtrama que soa deslocada da narrativa principal e que a deixa escanteada do enredo principal. Já Kim tem as boas piadas de seu divertido Podcast serem frustradas constantemente pelas diversas situações que se acumulam pela trama e freiam sua participação de maneira mais precisa. 

Na verdade, todas as demais figuras que orbitam a produção, incluindo a mãe (a sempre ótima Carrie Coon, só que desperdiçada nesta sequência), o irmão (Finn Wolfhard) e Mr. Grooberson (Paul Rudd), juntamente com os novos nomes desta sequência, Nadeem Razmaadi (Kumail Nanjiani) e Melody (Emily Alyn Lind) funcionam apenas para compor o cenário ou a cena até porque o texto está mais preocupado com o grupo antigo, com Ray (Dan Aykroyd) e Winston (Eddie Hudson) ganhando mais relevância no enredo do que todos juntos. 

Não à toa que as referências ao longa original que envolvem personagens secundários (uma figura canalha do primeiro dá as caras aqui), monstros fantasmagóricos e cenários clássicos, produzem mais emoção do que qualquer dilema ou conflito de alguns dos novos personagens dentro deste capítulo. 

Falta de direcionamento

Se a marca “Caça-Fantasmas” não encontra um caminho adequado para contar a sua aventura fantástica em “Apocalipse de Gelo” e parece estar sempre dois passos atrás em comparação a “Mais Além”, ela ainda sofre da falta de direcionamento naquilo que almeja transmitir ao seu público. 

Curiosamente, a premissa do filme dirigido por Gil Kenan – roteirista do anterior e que assume a direção deste, sendo responsável pela horrorosa refilmagem de “Poltergeist” – por mais simples que seja na teoria, na prática sua execução se perde na desorganização (e falta de foco) em reunir diversas temáticas espremidas pelo roteiro que vão das angústias juvenis, passando pelos romances fantasiosos até chegarem aos mistérios apocalípticos. 

Toda emoção ou impacto nostálgico é congelado por uma aventura indecisa, que conecta de forma apressada e anticlimática o chamado “apocalipse” do subtítulo, pontuado por um desfecho que nem mesmo diz a que veio em seus meros 20 minutos e que não agrega tensão, drama e emoção a ele. 

De certa forma é uma obra mais interessada em se apropriar de escolhas convenientes sem a necessidade de se arriscar para não sair do contexto confortável da produção corporativa e que desperdiça a oportunidade de unir a comédia aos elementos fantásticos, o que não deixa de ser irônico para um filme que tão preocupado em ser devoto do original, acaba por esquecer que a fórmula de sucesso deste era saber o timing ideal de improvisação no humor, situação que também deu certo em “Mais Além”. 

A direção de Kennan ajuda a incrementar essa bagunça sem personalidade no aspecto visual, com escolhas genéricas que não oferecem um plano ou enquadramento que seja representativo no campo da fantasia, mesmo tendo em mãos ótimos efeitos visuais para executar isso. 

Elenco e nostalgia para salvar

Pelo menos o universo de fantasmas da franquia ainda exerce um certo charme a partir do componente nostálgico (o cenário fantasmagórico de Nova York facilita isso) e ajuda a salvar este novo exemplar de derreter-se por completo no âmbito da diversão. O elenco é outra vertente que contribui para encorpar a situação, onde apesar dos personagens mal caracterizados, o carisma de Aykroyd, Hudson, Coon, Rudd, McKenna e Nanjiani é de fato importante para produzir o riso entre uma outra piada oferecida pelo texto e que funciona. 

A exceção é Bill Murray que nitidamente desanimado, não esconde sua insatisfação de estar no projeto, algo compreensível já que é o seu Peter Venkman pouco tem a acrescentar no longa, a não ser um mero instrumento de afago ao passado da série. 

No geral, “Ghostbusters: Apocalipse de Gelo” desperdiça o novo norte que o anterior indicava. A ânsia e obsessão do novo exemplar em ficar preso ao passado deixa como sequelas um blockbuster contemporâneo genérico na sua tecitura de fantasia e com uma gama gigantesca de histórias paralelas que mais dispersam do que dão estofo melodramático aos personagens. 

Até mesmo os malfadados “Caça-Fantasmas 2” e o reboot de 2016 com todos os seus problemas, tinham mais personalidade que este novo exemplar. Quando os créditos sobem, a sensação é de uma continuação congelada na sua própria apatia e falta de criatividade. 

Obs: Há apenas uma cena no meio dos créditos e que é tão esquecível quanto o filme.