Toda a polêmica cercando “Um Dia de Chuva em Nova York” tornou-se maior do que o próprio filme. Para quem não viveu na Terra nos últimos dois anos, um resumo: em meio ao escândalo envolvendo assédios cometidos por Harvey Weinstein e Kevin Spacey com o fortalecimento do movimento feminista em Hollywood através do movimento #MeToo, as acusações de abuso sexual cometidas por Woody Allen contra a filha adotiva, Dylan Farrow, voltaram à tona. Com isso, a Amazon Studios decidiu romper o vínculo com o cineasta deixando à deriva o lançamento da produção estrelada por Timothee Chalamet e Elle Fanning.

Agora, a comédia romântica do diretor começa a ser lançada ao redor do planeta – primeiro, na Europa para, em seguida, chegar ao Brasil em janeiro de 2020. Já nos EUA, ainda não há nenhum tipo de previsão sobre quando o filme será exibido. Como cinema, porém, “Um Dia de Chuva em Nova York” revela-se uma daquelas produções insossas lançadas rotineiramente por Woody Allen: um filme agradável, inofensivo, mas, muito, muito longe da genialidade alcançada nos melhores projetos da carreira.

“Um Dia de Chuva em Nova York” acompanha a história do casal Ashleigh (Elle Fanning) e Gatsby Welles (Timothee Chalamet). Os dois planejam passar um fim de semana em Nova York durante uma folga dos estudos. Porém, durante a viagem, ela consegue a difícil missão de entrevistar o diretor cult do momento, Roland Pollard (Liev Schreiber), enquanto ele perambula pela cidade em meio a situações incomuns à espera da amada.

Desde “Tudo Pode dar Certo”, de 2009, Woody Allen não fazia um filme tão novaiorquino como agora. Este sentimento nostálgico de retorno à casa inspira o roteiro, colocando Gatsby sempre em constante movimento pelas ruas da cidade. Igual acontecera em obras como “A Rosa Púrpura do Cairo” e no último grande projeto do diretor, “Meia-Noite em Paris”, o elemento mágico recai sobre os personagens com o acaso tendo influência sobre o destino deles e a fotografia de Vittorio Storaro projeta isso na tela de forma mais suave do que fizera em “Roda Gigante” ao explorar o contraste da chuva com raios de sol em sequências líricas.

HISTÓRIA PREGUIÇOSA

Tamanha nostalgia e beleza visual, porém, não são capazes de tornar “Um Dia de Chuva em Nova York” empolgante. Toda a trama traz uma sensação de déja-vu constante sem praticamente um pingo de originalidade ou brilho.

Como esperado, Chalamet encarna a enésima versão de Woody Allen, e, tal qual ocorre nos piores exemplares do cineasta, vemos um protagonista apenas tedioso e rabugento. Já Elle Fanning até se esforça demonstrando toda a empolgação quase juvenil e ingenuidade, porém, não vimos exatamente isso em versões anteriores com Mia Farrow e Emma Stone nos mesmos papéis?

Se a ausência de química combina com a proposta do roteiro, falta aos protagonistas certa contemporaneidade: vemos dois jovens em pleno século XXI muito longe dos conflitos e angústias da juventude atual. Caso a trama fosse ambientada nos anos 1930 ou 1950 não haveria tantas alterações em relação aos seus

A falta de criatividade do roteiro também impede um aproveitamento decente de nomes como Jude Law, Liev Schreiber, Diego Luna e Rebecca Hall, ambos com personagens sem tempo suficiente para serem desenvolvidos satisfatoriamente. Já Selena Gomez até se sai bem no papel de musa até porque, cá entre nós, não chega a ser algo tão desafiador assim. Quem realmente se salva é Cherry Jones: interpretando a mãe de Gatsby, a atriz possui o único momento memorável da trama em um diálogo revelador com Timothee Chalamet, ampliando horizontes e nos fazendo pensar que a história de “Um Dia de Chuva em Nova York” talvez estivesse ali.

Nem mesmo os momentos geniais presentes em filmes fracos (o cantor de chuveiro de “Para Roma, Com Amor”) conseguem render o mesmo efeito – refiro-me claro à risada estranha da cunhada de Gatsby. De modo geral, “Um Dia de Chuva em Nova York” não é uma bomba como “Igual a Tudo na Vida” ou “Scoop – O Grande Furo”; apenas é bem, bem esquecível.

CRÍTICA | ‘Deadpool & Wolverine’: filme careta fingindo ser ousado

Assistir “Deadpool & Wolverine” me fez lembrar da minha bisavó. Convivi com Dona Leontina, nascida no início do século XX antes mesmo do naufrágio do Titanic, até os meus 12, 13 anos. Minha brincadeira preferida com ela era soltar um sonoro palavrão do nada....

CRÍTICA | ‘O Sequestro do Papa’: monotonia domina história chocante da Igreja Católica

Marco Bellochio sempre foi um diretor de uma nota só. Isso não é necessariamente um problema, como Tom Jobim já nos ensinou. Pegue “O Monstro na Primeira Página”, de 1972, por exemplo: acusar o diretor de ser maniqueísta no seu modo de condenar as táticas...

CRÍTICA | ‘A Filha do Pescador’: a dura travessia pela reconexão dos afetos

Quanto vale o preço de um perdão, aceitação e redescoberta? Para Edgar De Luque Jácome bastam apenas 80 minutos. Estreando na direção, o colombiano submerge na relação entre pai e filha, preconceitos e destemperança em “A Filha do Pescador”. Totalmente ilhado no seu...

CRÍTICA | ‘Tudo em Família’: é ruim, mas, é bom

Adoro esse ofício de “crítico”, coloco em aspas porque me parece algo muito pomposo, quase elitista e não gosto de estar nesta posição. Encaro como um trabalho prazeroso, apesar das bombas que somos obrigados a ver e tentar elaborar algo que se aproveite. Em alguns...

CRÍTICA | ‘Megalópolis’: no cinema de Coppola, o fim é apenas um detalhe

Se ser artista é contrariar o tempo, quem melhor para falar sobre isso do que Francis Ford Coppola? É tentador não jogar a palavra “megalomaníaco” em um texto sobre "Megalópolis". Sim, é uma aliteração irresistível, mas que não arranha nem a superfície da reflexão de...

CRÍTICA | ‘Twisters’: senso de perigo cresce em sequência superior ao original

Quando, logo na primeira cena, um tornado começa a matar, um a um, a equipe de adolescentes metidos a cientistas comandada por Kate (Daisy Edgar-Jones) como um vilão de filme slasher, fica claro que estamos diante de algo diferente do “Twister” de 1996. Leia-se: um...

CRÍTICA | ‘In a Violent Nature’: tentativa (quase) boa de desconstrução do Slasher

O slasher é um dos subgêneros mais fáceis de se identificar dentro do cinema de terror. Caracterizado por um assassino geralmente mascarado que persegue e mata suas vítimas, frequentemente adolescentes ou jovens adultos, esses filmes seguem uma fórmula bem definida....

CRÍTICA | ‘MaXXXine’: mais estilo que substância

A atriz Mia Goth e o diretor Ti West estabeleceram uma daquelas parcerias especiais e incríveis do cinema quando fizeram X: A Marca da Morte (2021): o que era para ser um terror despretensioso que homenagearia o cinema slasher e também o seu primo mal visto, o pornô,...

CRÍTICA | ‘Salão de baile’: documentário enciclopédico sobre Ballroom transcende padrão pelo conteúdo

Documentários tradicionais e que se fazem de entrevistas alternadas com imagens de arquivo ou de preenchimento sobre o tema normalmente resultam em experiências repetitivas, monótonas e desinteressantes. Mas como a regra principal do cinema é: não tem regra. Salão de...

CRÍTICA | ‘Geração Ciborgue’ e a desconexão social de uma geração

Kai cria um implante externo na têmpora que permite, por vibrações e por uma conexão a sensores de órbita, “ouvir” cada raio cósmico e tempestade solar que atinge o planeta Terra. Ao seu lado, outros tem aparatos similares que permitem a conversão de cor em som. De...