Apenas em contextos muito específicos uma frase como “Naturalmente, fui amigo de Glauber” pode ser proferida. Pois foi exatamente isso, naturalmente, o que o ex-ministro Celso Amorim proferiu enquanto apresentava “Utopia Tropical”. Já está claro que estamos no mais rarefeito e esclarecido dos ares, e ainda nem mencionei que o documentário em questão conta também com a presença de Noam Chomsky.

Dirigido por João Amorim, filho de Celso, “Utopia Tropical” é um longa para encher os olhos de um pai – e ninguém mais. Enquanto cinema, é uma perda de tempo. Está mais próximo de uma videoaula. Nos meus tempos de ENEM cheguei a assistir coisas parecidas por aí.

O longa é estruturado através das falas de Chomsky e Amorim Sênior que, ora em diálogo, ora em monólogo, versam sobre a América Latina. Os tópicos quentes incluem o imperialismo estadunidense, a condição terceiro-mundista, a ascensão de governos progressistas no novo milênio e, posteriormente, do neofascismo. Etc.

Prepare-se para viver toda a emoção da voz monótona e gorgolejante do nonagenário Chomsky sendo complementada por animações engraçadinhas sobre a história política recente. Prepare-se para testemunhar a acalorada troca de ideias de dois intelectuais que dizem coisas que o outro já sabe.

Prepare-se, por fim, para se questionar em voz alta: “estamos realmente no escuro de uma sala de cinema assistindo a isso?”. Não, não há nada de errado com o que essas duas ilustres figuras dizem na tela. A questão, já disse, é que, enquanto cinema, temos apenas uma videoaula.

Na pior das hipóteses, “Utopia Tropical” é menos um filme do que o projeto vaidoso de um filho para o seu pai. Mas tudo está perdoado. Ele conheceu Glauber, afinal de contas.