Disponível no Disney+, “O Território” foi um dos documentários mais celebrados de 2022. Coprodução EUA e Brasil, o longa dirigido por Alex Pritz acompanha a luta do povo indígena Uru-eu-wau-wau para não ter a terra invadida por pessoas interessadas na extração ilegal de madeira e também de mineração. Isso tudo em pleno retrocesso da gestão Jair Bolsonaro na Presidência da República. 

Filmado em Rondônia, a obra esteve nos principais eventos da temporada de premiação deste ano e quase foi indicada ao Oscar 2023. O Emmy, entretanto, reconheceu “O Território” com três indicações: Cinematografia para um programa de não-ficção, Melhor direção para um programa de documentário/não-ficção e Mérito excepcional na produção de documentários. 

Com mais de 20 mil seguidores no Instagram, o ativista e comunicador paraense José Kaeté trabalhou na campanha de impacto de “O Território”. Chegando à última etapa do projeto, ele conta quais as ações feitas ao longo de 2023 em relação à divulgação do documentário e os importantes frutos desta parceria: 

Cine Set – Como foi o primeiro contato da equipe do documentário contigo para esta campanha de impacto? 

José Kaeté – Comecei a trabalhar no time de “O Território” em janeiro de 2023. O filme foi lançado ano passado e a ideia era completar o segundo ano desta campanha de impacto do documentário e ainda criar organizações independentes, pensando em uma estratégia de continuidade da obra.  

Sou engenheiro de formação, mas, trabalho com comunicação na Amazônia há muito tempo, refletindo sobre qual impacto quero deixar sobre a Amazônia, povos indígenas, território, justamente as discussões que a campanha do filme pretendia trazer à tona. Foi um momento tanto de aprender como se pensa e executa uma campanha de impacto como de ensinar aquilo que venho fazendo empiricamente. 

Cine Set – Em que consistia este trabalho e as áreas de atuação de uma campanha de impacto? 

José Kaeté No primeiro ano da campanha, quando ainda não estava na equipe, várias viagens e eventos internacionais focadas em amplificar vozes indígenas, mudar estruturas e fazer a produção de “O Território”. Já em 2023, a quantidade de exibições em viagens diminuiu bastante; a gente estava no momento de procurar financiamento para as organizações Independentes da campanha de impacto. Ainda assim, cheguei a realizar algumas viagens para festivais de cinema e exibições estratégicas no Brasil e exterior propondo diálogos para compartilhar conhecimentos. 

Cine Set – Durante a sua presença em festivais de cinema que “O Território” participou, o que mais você sentia que chamava a atenção do público?   

José Kaeté Dependia muito do público estava participando do painel. Em resumo, as duas perguntas mais feitas eram como elas poderiam ajudar e como está a situação hoje em dia relativo à invasão de territórios indígenas e a segurança dos ativistas ambientais da linha frente. Dentro disso, surgiam vários subtemas, entre eles, estereótipos de povos originários, coprodução, a questão política no Brasil, se o processo de mudança está lento ou não, além da compreensão de como foi articular a campanha de impacto do filme. 

Cine Set – A divulgação de “O Território” falava de uma obra construída ao lado do povo Uru-eu-wau-wau em vez de focar apenas no diretor, como costuma ser. Qual o simbolismo disso? 

José Kaeté Grande parte das matérias de divulgação sobre o filme aconteceram no ano passado, sendo mais de 3 mil somente aqui no Brasil. Este foco no Uru-eu-wau-wau acontece por dois motivos principais: primeiro que agências foram contratadas para trabalhar este aspecto junto à midia, enquanto houve um papel educativo de reforçar a participação deles na obra como co-produtores. Para isso, informações importantes como eles serem indígenas e não índios, ser aldeia e não tribo, foi passado para emplacar estes materiais de forma correta e como nós, indígenas, gostaríamos de sermos retratados, falados e contados.  

Nem chega a ser simbolismo, mas, sim, a realidade sendo apresentada. Estamos, infelizmente, acostumados ao apagamento no trabalho que fazemos ou apenas vistos como objetos de estudo. Quando tomamos a liderança de algo, o discurso antigo permanece, logo, dar este protagonismo reverte esta lógica e mostra outras possibilidades. Para o público indígena, isso mexe com a autoestima de que é possível ocupar estes espaços, ganhar prêmios, ser câmera de um filme capaz de circular internacionalmente. 

Cine Set – Como surgiu o Instituto de Narrativas Amazônicas e do Centro de Midia Jupau e qual o principal foco dele? 

José Kaeté Como a campanha de impacto encerra agora em 2023, pensou-se na criação destas duas organizações independentes. O Centro de Mídia foi construído dentro da terra indígena dos Uru-eu-wau-wau. A ideia é que ele tenha uma atuação mais local. Já o instituto pretende ser mais amplo cobrindo toda a Amazônia e até fora do Brasil. Estamos na etapa de entender as duas estruturas e como se conectam, o que cada organização irá fazer em termos de atividades, mas, é certo que haverá conexão entre elas.  

O objetivo é nas narrativas da região, de territórios diversos sejam em cidades ou áreas de floresta, ouvir indígenas, quilombolas, ribeirinhos, para conhecer e fortalecer estas histórias assim como entender o mercado audiovisual no contexto amazônico. Temos que compreender quais os investimentos de tempo, espaço, discussões, debates e profissionalização para que no futuro, de fato, a gente possa fazer obras com a nossa liderança. Haverá programas de intercâmbio, capacitação e estágio, além de trocas de informação para fortalecer este cenário.