Por acaso sou daqueles que acredita que comida é arte, ou pelo menos, pode vir a ser. A questão é delicada, já que, até hoje, ninguém nunca morreu por não ter um filme para assistir ou livro para ler (pelo menos, não diretamente).  

O fato nos levaria a acreditar que a comida, ao contrário das artes, é uma necessidade fisiológica, e que a gourmetização do alimento seria assim não só elitista como até imoral. 

Ao que eu poderia contra-argumentar que as artes também mexem com a nossa fisiologia – basta pensarmos nas lágrimas produzidas pela alma e pelos olhos quando assistimos a um bom melodrama, por exemplo. Sem falar nos pesquisadores que enxergam nos efeitos das histórias de terror no cérebro algo como um check-up das nossas respostas ante o perigo.  

Mas tudo isso são divagações. O ponto é: se as experiências gastronômicas que nos enfeitiçam os sentidos não nos são acessíveis, então, bom, elas deveriam ser. O alimento não pode ser culpado pela ambição e ignorância humanas. 

BANQUETES DE AMOR 

Todo esse longo preâmbulo serve apenas para dizer que “O Sabor da Vida” é provavelmente o melhor food porn de que se tem notícia – algo facilmente atestado pelos suspiros de prazer dos espectadores a cada novo prato em tela. É também um filme incrivelmente belo sobre dois gourmets que se amam através dos banquetes que cozinham um para o outro. 

Eles são o M. Dodin, o “Napoleão da Culinária” de Benoît Magimel, e Eugenie, a cozinheira interpretada por Juliette Binoche, parceira de receitas e de cama de Dodin. Como os dois se amam intensamente através do que comem, o filme dedica longas seções de sua duração ao preparo de alguns dos banquetes mais elaborados do Cinema.  

É justamente nessas horas que esses personagens verdadeiramente se revelam. Por exemplo, a cozinha de Dodin parece envolver processos bem mais brutos que a de Eugenie, algo que o design de som salienta ao incluir a respiração ofegante do mestre-cuca.  

O diretor Tran Anh Hung toma a decisão inteligente de simplesmente respeitar o processo desses dois, acompanhando seus movimentos com uma steadycam fluida, em um balé entre cozinheiros e a câmera. O resultado “O Sabor da Vida”: saí do cinema convencido de que deveria cozinhar um banquete para todos que amo.