O mundo começou a dar adeus a uma das produções de maior sucesso de público e crítica da Netflix. Lançada com muita pompa e o título de série mais cara produzida pelo serviço de streaming, The Crown conseguiu manter o interesse dos espectadores por seis temporadas, com três trocas de elenco, um carregamento de prêmios e, principalmente, o retrato de figuras que, mesmo sempre muito polidas em seus castelos e aparições públicas, são objeto número 1 de escândalos nos tablóides britânicos. 

A última temporada chega em duas partes. A primeira delas traz aquela que talvez seja a trama que cause mais curiosidade em relação à abordagem. O verão que culminou na morte da princesa Diana e em uma crise sem precedentes à imagem da realeza britânica já havia sido retratado pelo ponto de vista da Rainha Elizabeth no premiado “A Rainha”. Agora, o roteirista Peter Morgan (que também escreveu o filme de 2006) também coloca o foco no romance de Diana e do produtor de cinema Dodi Al-Fayed, além das consequências a longo prazo do ocorrido em Paris, principalmente para o então adolescente Príncipe William. 

Assim como na quinta temporada, o papel de Diana fica com a australiana Elizabeth Debicki, enquanto Dodi é interpretado pelo britânico Khalid Abdalla, descendente de egípcios. Alguns dias antes da estreia da primeira parte da sexta temporada, o Cine Set participou de duas coletivas de imprensa com o elenco da produção – uma com Elizabeth e a outra, com Khalid e com Jonathan Pryce, que volta a interpretar o príncipe Philip. Veja abaixo trechos da entrevista com Khalid Abdalla e Jonathan Pryce: 

Vocês têm uma cena ou momento favorito na série? 

Jonathan Pryce – [Risos] Já me perguntaram isso antes e acho muito difícil responder. Tive vários momentos favoritos. A experiência toda foi um momento favorito. Foi uma honra trabalhar (em “The Crown”) nos últimos dois anos. Nesta sexta temporada, meus momentos favoritos talvez sejam as cenas com o Príncipe William, quando o Príncipe Philip vira o mentor dele, meio que para ajudá-lo a lidar com a repercussão (da morte da Princesa Diana) e orientá-lo se ele deveria comparecer ao funeral, e como seria sua vida dali em diante.  

Eu gostei de trabalhar com os dois atores que interpretaram William [Ed McVey e Rufus Kampa]. Com Ed, o mais interessante pra mim foi quando esperávamos para gravar, dentro de uma Land Rover, nas Terras Altas da Escócia, e eu comecei a assoviar. Eu vi que Ed estava olhando para mim para aprender a fazer aquilo também. 

Khalid Abdalla – Eu não sei se tenho uma cena favorita, mas lembro muito do trabalho que fizemos no iate. Recordo de chegar muito intimidado, não só pelo iate [risos], mas também por saber que iríamos recriar momentos icônicos, que estão na memória das pessoas. O tempo que (Diana e Dodi) passaram ali foi muito especial e divertido, e foi esse espaço que eu e a Elizabeth (Debicki) pudemos explorar e que usamos para nos conhecer e criar essa colaboração profunda que tivemos.  

Uma lembrança que tenho de bastidores é quando eu e ela saímos do barco depois de três semanas de filmagens, pensei: “espero que a gente tenha conseguido honrar essa história”. 

O que mais surpreendeu vocês na pesquisa sobre Philip e Dodi? 

Jonathan Pryce – Tinha seis anos quando a Rainha Elizabeth foi coroada, logo, eu cresci com aquela família. Sempre soubemos que eles existiam, víamos nas notícias, na TV, principalmente no Natal, com o discurso dela. Eu via Philip sempre apertando as mãos das pessoas nas viagens e as notícias das gafes dele, quando dizia a coisa errada no momento errado, tentando ser engraçado.  

A imagem que tinha dele era meio distante, não sabia muita coisa. Nunca tinha o ouvido falar, assim como nunca havia ouvido a Rainha-mãe falar. Por isso, foi interessante fazer toda a pesquisa, e, principalmente a partir do roteiro, descobrir a complexidade daquele homem.  

As maiores descobertas, entretanto, vieram quando fui aprender a conduzir a carruagem. Trabalhei junto à equipe que estava e viajou o mundo com ele. Perguntei sobre ele e as pessoas me disseram que o adoravam, que ele era um cara ótimo, engraçado, simpático. Tinha todo um lado que o público nunca viu.  

A coisa principal que aprendi sobre ele veio na minha primeira reunião com o Peter Morgan, quando ele me disse que direção ele queria dar ao personagem, mostrando e falando do relacionamento que ele teve com Penny Ramsey [mostrado na quinta temporada]. Eu não sabia nada sobre isso, e eu saí da casa do Peter me perguntando se eu queria ser a pessoa que conta para o mundo sobre essa amizade. Fiquei muito nervoso.  

Viajei para a França, e joguei os nomes de Philip e Penny no Google. Tinham páginas e páginas sobre eles, e isso me deu mais confiança de contar a história. Essa pesquisa também me mostrou como a imprensa britânica provavelmente foi manipulada para esconder essas histórias. Foi uma descoberta muito importante sobre o poder da Família Real, e, especialmente, do Philip. 

Khallid Abdala – Tudo foi uma surpresa. Dodi é uma pessoa que está sob o olhar do público há 26 anos, mas ninguém sabe realmente algo sobre ele. Você pergunta para as pessoas como era a voz dele, e elas não sabem. Talvez conheçam o pai [o empresário Mohammed Al Fayed], e é isso. E, de uma forma ou de outra, a maior surpresa é o motivo (dessa falta de conhecimento), certo?  

Você, então, começa a desvendar a única palavra que o acompanha, “playboy”, e descobre como era a dinâmica da vida dele e o que resulta nessa palavra. Ele era alguém que claramente era muito bom em se apaixonar, mas não tão bom em manter os relacionamentos quando ficavam difíceis. E, com pessoas assim, provavelmente há dificuldade em se apegar (às pessoas), e ele claramente tinha um relacionamento amoroso, mas complexo, com o pai.  

Na medida que eu fui buscando esse meu entendimento de quem ele é e quem ele foi, eu começo a ouvir de quem o conhecia sobre o quão gentil e tímido Dodi era, de como tinha uma vulnerabilidade. Estava conversando com uma amiga dele e, à medida que eu começava a entender, senti vontade de abraçá-lo. Essa amiga me disse: “era exatamente assim que ele fazia as pessoas se sentirem”.  

Uma das coisas que mais me orgulham é que a gente pode, enfim, conhecer Dodi, talvez amá-lo um pouco, e, depois de 26 anos, finalmente pode sentir a perda dele. Dodi poderia ser apenas um personagem passageiro, sobre o qual você não sabe nada, e eu sou muito grato ao Peter, que deu esse espaço aos Fayed (na história). E quando se faz isso, se abre as portas para algo incrível, culturalmente falando. 

Jonathan, você já interpretou homens notórios na nossa história, como o Papa Francisco em “Dois Papas”, Juan Domingo Perón em “Evita” e agora o príncipe Philip. Como é o seu processo para se tornar esses homens de vidas tão públicas? Ao longo desse tempo, você conseguiu encontrar algum tipo de atalho para viver esse tipo de personagem? 

Jonathan Pryce – Não, não [risos]. Quando estive na Argentina para fazer Perón, descobri que todo mundo cantava e ninguém falava [risos]. Não tinha diálogos (no filme), tudo era cantado. Foi algo bem interessante de se descobrir sobre o Perón [risos].  

Sobre o Philip, fiquei bem nervoso porque ele foi uma figura com a qual eu cresci. Todo mundo tem uma ideia de como ele era em público e como era na vida privada. Foi bem mais fácil interpretar o Papa Francisco porque tinha empatia (em relação a ele). Já gostava do posicionamento político dele e o fato de eu parecer com ele fisicamente também ajudou. Estava bem mais confiante em relação àquele papel.  

Mas o Philip está bem mais distante de mim do que Francisco. Venho da classe trabalhadora, sou galês. Tivemos a ajuda de técnicos de movimento e de voz. Até fui para a academia duas vezes por semana para melhorar a postura. Demorou um pouco para que eu ficasse confortável no papel.  

Meu primeiro dia de filmagens foi com a Elizabeth Debicki. E, assim que eu coloquei a peruca e o terno, eu me vi tendo que ter autoridade com a Diana. Assim que terminei essa cena, me senti bem confiante. Também tive muito apoio da equipe de produção. Você sabe, pelos seus colegas, se está fazendo algo certo ou não.  

Meu trabalho (foi) dar vida ao roteiro de Peter, sendo um personagem real ou não. Tratei o Philip como mais um personagem. Se eu pensasse muito, eu ficaria com muito medo. E também, quando se interpreta uma pessoa pública, é bom não ler os comentários nos jornais. 

Khalid, como você trabalhou junto a Salim Daw, que interpreta Mohamed Al-Fayed, para desenvolver essa dinâmica complicada entre pai e filho que vemos na temporada? 

Khalid Abdalla – Salim se tornou um segundo pai para mim, de certa forma. A dinâmica entre nós dois foi muito especial. Parte disso vem da pesquisa e do entendimento de que, para chegar a Mohammed e a Dodi, você tem que compreender e sentir o amor entre eles – um amor muito complexo, porém poderoso. Quando mais você ama, mais você pode machucar o outro. O melhor tipo de amor, na verdade, dói profundamente. Sentimos um grande senso de dever com eles. Quando Mohamed faleceu, neste ano, eu e Salim tivemos um impacto. Foi bem peculiar. 

Jonathan Pryce – Uma das coisas que eu tirei do relacionamento entre eles é que, depois da morte de Dodi e Diana, Mohamed Al-Fayed sentiu muita raiva porque o filho não estava sendo reconhecido e nem tendo a sua morte lamentada pelas pessoas. E eu acho que o que essas duas atuações (de Khalid e Salim) fazem, junto com a escrita de Peter, é explicar essa raiva de Al-Fayed, que, para nós, britânicos, parecia fora de lugar. E você (agora) pode ver por que Dodi merecia esse reconhecimento. 

Khalid Abdalla – Isso é muito interessante de se ouvir. É, eu não acredito em nenhuma das teorias da conspiração (sobre o acidente), mas penso que, muitas vezes, há também uma razão cultural muito profunda que leve as pessoas a acreditarem e a procurarem por respostas por meio dessas teorias. Há razões para que as pessoas acreditem que a Firma nunca iria permitir que a Diana se casasse com alguém como ele, certo? E é daí que (as teorias) vêm, na minha opinião.