A escrita de Stephen King se presta ao cinema, basicamente, porque seus livros parecem filmes. O leitor consegue ver a história com facilidade, e a maioria delas possui atrativos e “ganchos” claros, simples e fortes o suficiente para despertar a gana de produtores de Hollywood. Ele também tem uma imaginação meio doentia, e os filmes mais bem sucedidos baseados em seus trabalhos conseguem trazer um pouco dessa imaginação para as telas.

O que não quer dizer que todos os filmes baseados em obras dele sejam bons – nem de longe. Mas a ligação entre Stephen King e o cinema já rendeu alguns filmes (de terror) muito especiais, verdadeiros clássicos do gênero como…

Carrie, a Estranha (1976)

A primeira adaptação para o cinema, baseada no primeiro livro do autor, publicado em 1974. Curiosamente, King não gostava do que havia escrito até então e jogou o livro, pela metade, no lixo. Foi sua esposa Tabitha quem resgatou os papeis, leu o texto e insistiu para que King continuasse. Se não fosse por ela, então, não teríamos nem a carreira dele nem esta imortal história de horror contada completamente pelo ponto de vista feminino. E é impossível se esquecer da cena do baile, um momento marcante para fãs de cinema no mundo todo: a desprezada Carrie (Sissy Spacek, indicada ao Oscar pelo filme) é banhada de sangue de porco, mas se vinga, graças aos poderes telecinéticos que ninguém sabia que ela possuía… Tanto no filme quanto no livro, Carrie lava a alma de todos que um dia já foram ridicularizados quando eram jovens, e lava com sangue.

O Iluminado (1980)

Aqui King discorda de mim: ele odeia o filme que Stanley Kubrick fez baseado no seu terceiro livro, publicado em 1977. Ele tem todo o direito, mas O Iluminado, o filme, é uma obra de terror tão sem igual, tão única, que pode muito bem ser considerada a melhor adaptação de um livro dele para o cinema, se é que isso faz sentido. Kubrick reduz o dilema da história à sua essência: família isolada num hotel, o pai começa a enlouquecer, mas é por causa dos fantasmas do lugar ou pelo próprio isolamento? Ao mesmo tempo descarta os defeitos (desculpa aí, King, gosto muito de você, mas o final do seu livro é um Deus ex machina GIGANTE) e as tradicionais motivações dos personagens (a queda de Jack é movida pelo alcoolismo no livro, e isso fica apenas implícito no filme). O resultado é um filme de terror sem lugares-comuns, sem momentos previsíveis, e repleto de loucura, uma loucura que ainda mantém sua força inigualável. E levanta a questão: até que ponto fidelidade ao material original é REALMENTE importante?

Louca Obsessão (1990)

No fundo, o livro Misery: Louca Obsessão, publicado em 1987, é sobre o ato da escrita e o que move alguém a colocar uma história no papel. É um livro impossível de largar, aterrorizante e exagerado, como só King consegue fazer. O filme é algo mais insidioso, mais realista, e talvez por isso mesmo ainda mais assustador. A história do escritor Paul Sheldon, feito prisioneiro da sua “fã número 1”, a enfermeira psicótica Annie Wilkes, no cinema poderia parecer uma peça, mas se torna um duelo de mentes, cheio de suspense e impacto visual, e ancorado pelas brilhantes atuações de James Caan e Kathy Bates. E quem não se arrepia ao ver a cena da martelada? Não fosse O Iluminado, este seria o melhor e mais assustador filme dentre todos os baseados em obras do autor.

1408 (2007)

Este é um filme que, acredito, merece ser mais visto e apreciado dentro do panteão de adaptações de King. Talvez isso aconteça com o tempo… John Cusack faz o papel de um escritor que viaja o país visitando lugares mal assombrados e escrevendo sobre eles. Ele nunca chegou nem perto de ver alguma assombração e sempre destrói os mistérios. Porém, quando recebe um convite para se hospedar no quarto 1408 de um famoso hotel nova-iorquino – um quarto no qual mais de 50 pessoas já morreram – surge o maior desafio da sua carreira. Realmente, o filme não é muito assustador, mas Cusack é ótimo e o filme é um primor de direção de arte e de montagem, tudo destinado a mexer com a percepção do protagonista e do espectador. Criativo e muito louco, 1408 mantém o suspense até o seu final.

O Nevoeiro (2007)

O diretor Frank Darabont é amigão de King e comandou duas aclamadas adaptações de obras do autor fora do gênero terror, Um Sonho de Liberdade (1994) e À Espera de um Milagre (1999). Quando realizou seu sonho de muitos anos de filmar o conto O Nevoeiro, Darabont teve a audácia de ampliar o final da história. E que final: o filme inteiro é dedicado a mostrar como o ser humano, quando governado pelo medo, é o monstro mais assustador imaginável. O filme de Darabont é divertido e empolgante, mostrando um grupo de personagens enfrentando criaturas apenas parcialmente visíveis em meio a um nevoeiro branco. Mas tem também a coragem de levar essa ideia do medo até o limite, e ao final que praticamente traumatiza o espectador.

MENÇÕES HONROSAS:

A Zona Morta (1983): Foi um trabalho de encomenda para o diretor David Cronenberg e às vezes isso fica aparente. Mas é um filme com um clima de suspense fantástico e a atuação de Christopher Walken é coisa de outro mundo.

Christine, O Carro Assassino (1983): Não é o melhor filme de John Carpenter, que ainda estava se recuperando da repercussão negativa de O Enigma de Outro Mundo (1982), mas tem suspense, uma trilha matadora de rock’n’roll, e aquele carro é inesquecível.

Cemitério Maldito (1989): Bom filme, embora nem de longe tão assustador quanto o livro. E, além das suas muitas qualidades, ainda deu ao mundo uma canção matadora dos Ramones, então merece o destaque.

Sonâmbulos (1992): Roteiro escrito pelo próprio King. O único filme da história do cinema com homens-gato que matam garotas virgens, e no qual uma espiga de milho é usada como arma. Divertido demais. Para quem curte uma pegada mais trash.