O americano George A. Romero será para sempre conhecido como o pai dos zumbis. Ele redefiniu, praticamente sozinho, esse monstro cinematográfico e o subgênero apocalíptico com sua clássica trilogia A Noite dos Mortos Vivos (1968), O Despertar dos Mortos (1978) e Dia dos Mortos (1985). Sua influência é imensurável: se hoje os zumbis se tornaram praticamente uma indústria, então Romero deveria receber royalties de todo mundo. Pena que isso não acontece, mas mesmo ele se beneficiou do recente interesse no gênero e lançou nos últimos anos mais três filmes com mortos-vivos, o ótimo Terra dos Mortos (2005), o mediano Diário dos Mortos (2007) e o muito fraco Ilha dos Mortos (2009).

A característica mais forte do cinema de Romero sempre foi a independência. Ele poderia, ao longo da carreira, ter trabalhado com orçamentos maiores e ter feito filmes mais caprichados, e eles teriam tido o apoio de verdadeiras máquinas de divulgação. E ao longo do tempo, o nome dele esteve ligado a projetos de destaque. Nos anos 1980, ele tentou adaptar para o cinema o sucesso de Stephen King, A Dança da Morte – ainda estamos esperando pelo filme, que atualmente está sendo preparado no estúdio Warner Bros. como um grande blockbuster. Romero foi também o primeiro a tentar desenvolver uma adaptação do videogame Resident Evil para as telonas. Aliás, os primeiros games da série são visivelmente inspirados nos filmes de zumbi do diretor.

Mas ele nunca quis comprometer sua visão. Seus filmes são dele, sejam bons ou ruins, o que faz dele um dos maiores e verdadeiros cineastas independentes americanos. E por mais que seus filmes com mortos-vivos lancem uma grande sombra sobre sua carreira, há mais em Romero do que apenas zumbis. Aqui, vamos relembrar três obras de terror desse diretor iconoclasta, feitos com pegada autoral e trash, e sem mortos-vivos.


Martin (1976)

Nos anos entre A Noite dos Mortos-Vivos e O Despertar dos Mortos, a carreira de Romero não avançou graças a projetos que não fizeram muito sucesso. Mas isso não significa que sejam ruins: Martin, em especial, é uma pérola dessa fase, um filme curioso e divertido sobre um jovem incomum. O Martin do título, vivido pelo ator John Amplas, acredita ser um vampiro. Mas só acha: ele tem a sede de sangue, mas precisa fazer cortes em suas vítimas para sugá-lo. Na visão de Romero, ele pode ser apenas um jovem perturbado que sofreu influências, tanto de uma família estranha – “loucura é de família”, diz o seu velho primo Cuda (Lincoln Mazeel), este sim totalmente convencido da persona vampiresca de Martin – quanto dos velhos filmes de terror. Aliás, um interessante subtexto da obra é a forma como os filmes de terror influenciam psicologicamente as pessoas…  Em todo caso, essa ambiguidade traz uma verdadeira força ao filme, que é completamente imprevisível e muito divertido. O próprio Romero faz uma participação como um padre que tenta exorcizar o rapaz, e ainda no elenco estão Christine Forrest, esposa do diretor, e Tom Savini, que se tornaria um dos magos dos efeitos especiais para o cinema e revolucionaria a violência nas telas nos filmes de zumbi do diretor. Afinal, filme independente se faz com amigos.


Creepshow: Show de Horrores (1982)

Esta antologia de história de terror é uma verdadeira declaração de amor ao gênero, baseada nos sangrentos e politicamente incorretos quadrinhos da editora EC Comics. Tem de tudo: Stephen King (co-roteirista do projeto) se transformando em planta; Leslie Nielsen fazendo um marido traído que resolve dar uma lição na esposa e no amante enterrando-os na praia; uma criatura presa numa caixa tocando o terror numa faculdade; e baratas, muitas baratas aterrorizando um milionário com mania de limpeza. Creepshow, com suas cores fortes e clima alucinado, sabe exatamente quando fazer rir e quando ser (um pouco) mais sério. A experiência é divertidíssima e consistente – praticamente todas as histórias são boas, algo raro em antologias – neste projeto que nasceu da amizade entre Romero e King. Um filme feito com carinho para todos os loucos que gostam desse tipo de coisa.


Instinto Fatal (1988)

Instinto Fatal é como Os Pássaros ou Tubarão, mas com um macaco. Allan, o protagonista, sofre um acidente e fica confinado a uma cadeira de rodas. As coisas começam a melhorar para ele quando Ella surge em sua vida: uma macaca inteligente e treinada capaz de ajuda-lo nas tarefas domésticas. O problema é que Ella é possessiva e homicida e parece captar os sentimentos de raiva e frustração do seu dono, e assim começam as mortes ao redor de Allan. Parece meio ridículo – e é, praticamente todos os filmes do diretor tem um tom de comédia absurda – mas o filme é bem defendido pelos atores e tira sua força de uma simples constatação: macacos são muito estranhos. Romero pega esse ideia e a leva ao limite, numa interessante subversão do gênero “a natureza ataca”.