Como fã de terror, é sempre bom revisitar os filmes clássicos no mês das bruxas. Rever O Exorcista, A Noite dos Mortos-Vivos, Evil Dead, Halloween, O Bebê de Rosemary, O Iluminado, O Massacre da Serra Elétrica, entre outros, é a oportunidade ideal para entender os motivos que levaram essas obras a entrar para a história do cinema de horror e, até hoje, serem consideradas referenciais para o gênero.
Ainda assim, nos últimos anos, tenho procurado conhecer algumas pérolas obscuras ou pouco mencionadas em relação ao gênero. Logo, esta lista será eclética – vai do terror psicológico ao trash – e tem a função de ajudar você, caro leitor, que deseja fugir das indicações manjadas dos streamings da vida e das franquias tradicionais, lideradas pelos Jasons, Freddys, Michaels e Chuckies…
Confira a seguir:
Um Grito de Pavor (1961), de Seth Holt
Nada como um belíssimo thriller psicológico para abrir a lista. Um Grito de Pavor foi produzido pela fértil produtora inglesa Hammer e seu maior mérito reside na direção classuda de Seth Holt – na época, apenas em seu segundo longa-metragem – e no roteiro sagaz de Jimmy Sangster. Depois de quase morrer afogada, uma jovem paralítica (Susan Strasberg) retorna para casa e questiona a própria sanidade quando começa a enxergar situações estranhas no ambiente familiar.
A dupla Holt-Sangster é responsável por aquilo que o filme tem de melhor: a boa sintonia na construção de uma narrativa envolvente, que se mantém sólida durante seus 90 minutos e que vai crescendo no desenrolar da projeção. A direção e o roteiro manipulam as sensações do espectador ao mesclar o filme de suspense sobrenatural com elementos característicos do cinema noir e do terror psicológico. O roteiro inteligente prepara uma surpresa atrás da outra, com o público totalmente perdido em saber se os fatos desencadeados são oriundos de um evento fantasmagórico ou fazem parte de uma mente adoecida.
Um Grito de Pavor apresenta dois plot-twists que ajudam a demolir qualquer estrutura emocional do espectador. Destaque para ilustre presença do ícone Christopher Lee e a marcante atuação de Susan Strasberg, uma das melhores performances femininas em um filme de horror da época. De certa maneira, Grito comprova que nem só de vampiros e monstros a Hammer sobrevivia naquele período.
O Estranho Mundo do Zé do Caixão (1968), de José Mojica Marins
Para quem já assistiu diversas antologias de terror, O Estranho Mundo do Zé do Caixão do mestre Mojica, é uma verdadeira preciosidade que coloca vários produtos americanos no chinelo. O cineasta mantém a sua filosofia doentia dos filmes do Zé do Caixão em três histórias independentes que falam sobre ambição, ganância, obsessão, necrofilia, violência física e psicológica.
Algo bem interessante nesta antologia é a qualidade dos segmentos: mesmo com um orçamento limitadíssimo, Mojica tira leite de pedra e equilibra bem suas três histórias macabras através de um cinema inquietante e provocativo. Destaque para o último conto, “Ideologia”, disparado o melhor do longa-metragem por revelar a genialidade do diretor em discutir a natureza amoral do ser humano e o quanto o instinto prevalece sobre a razão.
O Estranho Mundo do Zé do Caixão prova que Mojica era um homem à frente do seu tempo, com um cinema vanguardista de excelência que questionava os bons costumes da época.
Síndrome Mortal (1996), de Dario Argento
Uma lista de terror cult não poderia ficar sem a indicação do regente italiano Dario Argento. Síndrome Mortal, lançado em um período de vacas magras do diretor, é um produto no seu mais elevado potencial sensorial. Ao imergir o público no ensaio violento ao qual se propõe, o filme cria uma atmosfera sufocante para explorar as distorções e as peças que a mente humana pode pregar.
A jovem detetive Anna Manni (Asia Argento, filha do diretor) está encarregada de prender um serial killer (Thomas Kretschamann, em atuação assustadora). Anna também precisa lidar com sua doença – que dá título ao filme – ao mesmo tempo em que confronta o assassino em seu jogo perverso. Síndrome Mortal reúne duas paíxões de Argento: a arte e a psicanálise.
Esses materiais permitem o diretor realizar um filme psicologicamente perturbador, com direito ao seu caleidoscópio de refinamento visual – as cenas da protagonista “mergulhando” dentro das obras de arte são impecáveis – e sua enorme obsessão em criar enquadramentos que reproduzam a violência no seu estado mais primitivo, sentimentos ampliados pela perversa trilha sonora de Ennio Morricone.
É aquele tipo de filme que, quando os créditos estão subindo, você pensa: “que baita filme eu assisti!”.
Cronos (1993), de Guilermo Del Toro
Pouca gente lembra, mas antes de chamar atenção com A Espinha do Diabo e O Labirinto do Fauno, o mexicano Guillermo Del Toro estreou no cinema com Cronos, um belo conto gótico que faz uma releitura interessante sobre o vampirismo. Um vendedor de antiguidades, Jesus (o sempre ótimo Frederico Luppi) entra em contato com um objeto chamado cronos, que concede a ele o poder do rejuvenescimento e o estimula a criar uma obsessão em consumir sangue.
Temas que se tornariam freqüentes nas obras seguintes do cineasta estão aqui: o fascínio com insetos, o amor pelo fantástico e a inocência do mundo infantil. Cronos consegue ser belo e estranho, sensível e bizarro. Tem aquela força dramática e atmosférica sempre tão forte nos filmes do diretor. Uma das abordagens mais originais sobre o mito do vampiro.
A Filha de Satã (1961), de Sidney Hayers
O mês das bruxas não poderia ficar sem a presença de uma dentro da lista. A Filha de Satã é um ótimo filme atmosférico sobre bruxaria e superstições. Norman Taylor (Peter Wyngarde) é um professor bem sucedido casado com Tansy (Janet Blair). Apesar de cético, ele descobre que a esposa é adepta da bruxaria. A direção do polivalente Hayers acerta por deixar o longa sempre na esfera do horror mais sugestivo do que explícito.
A excelente fotografia segue o conceito do horror psicológico gótico que a dupla Val Lewton e Jacques Tourneur sedimentou durante a década de 40. O roteiro do escritor Richard Matheson é hábil em trabalhar a mitologia pagã e a caracterização das bruxas frente às superstições dos anos 60, além de explorar o conflito entre a lógica da ciência e a fé. É fato que A Filha de Satã tem como maior acerto provocar aquele medo intrínseco que mexe diretamente com as nossas crenças e nossos valores morais, revelando a inteligência da produção.
Sonho de Morte (1974), de Bob Clark
No mesmo ano em que dirigiu o clássico slasher Noite de Terror, Bob Clark comandou esta fábula niilista morta-viva sobre um jovem morto na guerra do Vietnã que retorna a sua cidade natal como um zumbi. Sonho de Morte segue muito bem a cartilha do cinema de guerrilha de George Romero e o seu A Noite dos Mortos-Vivos: critica o conceito da contracultura dos anos 60 por meio da lógica da vingança tão presente nos quadrinhos de terror das editoras E.C.Comics e Creepshow.
Há um comentário ácido que Clark e o roterista Alan Ormsby fazem sobre a política da guerra militarista, por meio da figura de um jovem canibal que retorna da guerra para praticar atos violentos em uma pacata cidade. O potencial marginal do longa-metragem também é observado na relação do soldado com sua família: uma mãe histérica e um pai conservador que acabam potencializando as ações do jovem soldado. Sonho de Morte é sem dúvida, um dos mais bacanas filmes politizados de morto-vivo lançados depois do clássico de Romero.
A Orgia da Morte (1964), de Roger Corman
Um filme que conta com a direção do lendário Roger Corman adaptando um conto do mestre da literatura macabra, Edgar Allan Poe, e tem Vincent Price vivendo um príncipe europeu que aterroriza um vilarejo local, por si só, já é merecedor de uma espiada. A Orgia da Morte consegue ainda ir mais longe. É um maravilhoso espetáculo visual profano, esteticamente elegante no uso das cores: o vermelho e amarelo funcionam como arautos da morte graças à magistral fotografia do futuro cineasta Nicholas Roeg (da obra-prima Inverno de Sangue em Veneza).
Corman explora cada simbolismo gótico do texto de Poe para encenar sua atmosfera elegante e sombria de horror. Vicent Price revela o porquê de ser o mestre do terror ao criar uma interpretação sádica do seu príncipe Prospero. No fundo, A Orgia da Morte soa como uma versão B de O Sétimo Selo de Ingmar Bergman.
A Mulher do Lago (1965), de Luigi Bazonni
Nesta lista cult não poderia faltar um bom giallo italiano. A Mulher do Lago é uma experiência fantasmagórica inquietante e inusitada que combina o filme noir, mistério e experimentalismo. Ao mesmo tempo em que associa tais elementos às inovações formais do cinema dos anos 60.
Bazzoni já tinha deixado sua marca em criar atmosferas de suspense exóticas no estranho Os Passos. Em A Mulher do Lago ele mostra um homem (Peter Baldwin, excelente) chegando a uma vila à procura de uma ex-amante (a musa Virna Lisi) que segundo dizem, se matou.
Esse é apenas o início de um mistério, explorado pelo diretor através de um drama que envolve segredos familiares, perversões e loucuras. A própria estranheza cinematográfica deixa o público embasbacado com aquilo que presencia, com Bazzoni o conduzindo em meio a um pesadelo atmosférico surreal dentro de um filme assombrado por fantasmas, mas sem fantasmas. Contraditório? Talvez, e é por isso que o filme se torna uma grande experiência sensorial.
Kairo/Pulse (2001), de Kiyoshi Kurosawa
Ainda que tenha uma vasta carreira pelos dramas sociais, é no cinema de horror que Kiyoshi Kurosawa arrasa. Quatro anos depois do ótimo A Cura, o cineasta asiático realiza em Kairo/Pulse um verdadeiro ensaio investigativo sobre a era moderna da comunicação e sobre o próprio desaparecimento do ser humano perante a tecnologia, solidão e incomunicabilidade.
Seu plot sobrenatural, que mistura fantasmas e realidade virtual, ganha um forte subtexto metafórico: coloca seus personagens humanos confrontando entidades fantasmagóricas que representam seus próprios sentimentos de solidão, vazio e melancolia.
No fundo, Kairo/Pulse é mais uma mistura estranhamente sedutora do drama misterioso com elementos de ficção científica do que um filme propriamente de terror, ainda que os espíritos do filme remetam bastante ao conceito de zumbis de Romero. Visionário, antes da explosão da internet Kurosawa já mostrava o ser humano diante do seu próprio vazio existencial.
Cidade Maldita (1980), de Umberto Lenzi
Para fechar esta lista, não poderia faltar uma pequena pérola do cinema trash. Dirigido pelo polivalente Umberto Lenzi, Cidade Maldita é um daqueles filmes obrigatórios de zumbis para a ser assistidos. É extremamente divertido, tem um ritmo voraz, repleto de violência e nudez gratuita. Os seus mortos-vivos são um caso a parte: inteligentes por portarem armas e estrategistas em como traçam seus ataques.
Cidade Maldita é repleto de excessos e situações ensandecidas, o que deixa toda a bagaça ainda melhor. Existe a lenda que Tarantino considera este seu filme favorito de Zumbis.