Os detratores de Pedro Almodóvar costumam dizer que não gostam do cinema do espanhol por ele ser ‘novelão’ demais. Bobinhos. O melodrama ‘almodovaresco’ deveria estar em uma prateleira à parte nas (quase extintas) locadoras – ou, para ser mais moderna, em uma seção só sua no Netflix. O cinema não seria o mesmo sem trabalho cheio de vermelho e picos emocionais de Almodóvar. E essas características chegam ao ápice em “Fale com Ela”, de 2002, um dos melhores filmes do diretor.

Uma amizade que se forma no leito de um hospital por dois homens que sofrem por seus amores em coma. Essa sinopse só poderia sair da cabeça de algum autor da Televisa ou do cineasta e roteirista espanhol. Acertou quem marcou a segunda opção. Vencedor de um justo Oscar de melhor roteiro original por essa produção, Almodóvar coloca suas mulheres apaixonadas e cheias de nuances como pontes para as histórias de Marco (Dario Grandinetti) e Benigno (Javier Camara). O primeiro, praticamente de luto por Lydia (Rosario Flores), uma toureira que é hospitalizada após um, digamos, acidente de trabalho. Já o outro vive para o seu amor platônico pela jovem Alicia (Leonor Watling), uma bailarina em coma há quatro anos.

fale com ela pedro almodovar lydia rosario floresOs contrapontos entre Marco e Benigno vão além da situação que viviam com Lydia e Alicia antes dos acidentes que as deixaram em coma. Nesse sentido, o personagem mais interessante é o de Camara. Um homem que nutre um amor – sim, amor, apesar dos pesares – que passa pela linha fina entre o louco e o bizarro, Benigno tem em sua ingenuidade a característica mais explorada pelo roteiro e pela direção de Almodóvar.

Nesse sentido, o diretor e roteirista acerta ao nos mostrar apenas o necessário em uma narrativa que vai e volta. Um dos pontos altos da produção, a representação de um filme à la “O Incrível Homem que Encolheu” no meio da confusão de Benigno nos diz exatamente o que vai acontecer minutos depois. A propósito, Javier Camara brilha na pele do protagonista e, como a toureira Lydia, Rosario Flores nos entrega uma atuação tão linda em uma personagem que nos surpreende até o seu último segundo de cena.

Como todos os filmes almodovarianos (não sei se essa palavra existe, mas já adotei), “Fale com Ela” traz momentos que ficam na cabeça de qualquer cinéfilo. Talvez o que fique seja a cena em que Lydia toureia ao som da voz dramática de Elis Regina. Naquele momento, somos transportados para dentro da arena e ficamos hipnotizados pelos movimentos da personagem.

No final das contas, Almodóvar nos entrega mais uma história que passa bem longe do convencional, mas, que, graças a seu roteiro impecável, nos faz crer que seria algo completamente possível. Um homem que criou grandes mulheres do cinema (e nesse traz mais uma na figura da toureira cheia de paixão), ele cria dois personagens masculinos ricos e que se completam tanto quanto a primeira e a última cena desse belo trabalho.