Poucos filmes na história foram capazes de proporcionar uma experiência tão imersiva como “O Resgate do Soldado Ryan”. Ainda hoje, quase 20 anos desde o seu lançamento, a força das suas imagens não apenas se mantém intacta como também continua servindo de parâmetro para qualquer filme do gênero.

Por si só, os 25 minutos iniciais do épico de guerra dirigido por Steven Spielberg já poderiam garantir a ele o título de clássico. Após uma breve abertura em um cemitério de combatentes da 2a Guerra Mundial, somos diretamente lançados no meio do desembarque das tropas americanas na costa da Normandia, na França, momento que entrou para a história como o “Dia D”. O realismo e a intensidade desta sequência são tão grandes que, na época do lançamento do filme, diversos veteranos da guerra tiveram que sair da sessão, alegando que as imagens traziam lembranças dolorosas demais para eles suportarem.

Quem assiste ao filme percebe que eles não estavam exagerando. O caos e o desespero dos combatentes naquele momento é orquestrado de maneira brilhante por Spielberg, que consegue nos desorientar com a sua câmera constantemente na mão mas, ao mesmo tempo, nunca nos deixa perder o foco da ação, e assim sabemos exatamente o que está acontecendo em cena. Explosões, disparos, membros sendo dilacerados, tudo é retratado com uma veracidade chocante, mas que dura apenas o tempo necessário para que sintamos o seu impacto, nunca cruzando a linha do sensacionalismo. E tudo isso auxiliado por um dos melhores trabalhos de som que o cinema já produziu, o qual contribui de maneira essencial para que possamos experimentar a mesma confusão e medo dos combatentes.

Quando este momento chega ao fim, ainda ficamos meio desnorteados por tudo que vimos antes. A impressão destes primeiros minutos é tão forte que ela fica conosco até os créditos finais. Mas seria injusto dizer que esta sequência é a única qualidade do filme. Quando a poeira baixa e os mortos são enterrados, começamos a conhecer um pouco mais daqueles soldados que sobreviveram à batalha inicial.

Eis então que o talento de Spielberg como contador de histórias faz toda a diferença. Primeiro porque o diretor exibe uma grande maturidade ao drenar o sentimentalismo que seria inerente a uma história como essa. Isso pode ser comprovado pela forma como em momentos chaves ele praticamente elimina a trilha sonora melosa de John Williams (um dos poucos defeitos do filme) e deixa as imagens falarem por si.

Em seguida, Spielberg se mostra habilidoso até mesmo para contornar o roteiro simples que tem em mãos. Afinal, mesmo que a construção dos seus personagens não apresente grandes complexidades ou conflitos internos, o diretor consegue nos tornar cúmplices daquele grupo de homens que, após sobreviverem a um dos episódios mais sangrentos da 2a Guerra Mundial, precisam iniciar uma missão quase suicida para encontrar e resgatar o soldado Ryan, cujos três irmãos mais velhos foram todos mortos em combate.

Os atores que dão vida a esse grupo também são peças fundamentais para ganhar a nossa empatia. Eles conferem personalidades bem definidas a cada um dos soldados e assim acabam despertando um forte senso de identificação com o espectador, seja pela lealdade do sargento Horvath (Tom Sizemore), pela disciplina do paramédico Wade (Giovanni Ribisi), pela determinação do soldado Jackson (Barry Pepper), pela irreverência dos soldados Mellish (Adam Goldberg) e Caparzo (Vin Diesel), pelo pragmatismo do soldado Reiben (Edward Burns) ou até mesmo pelo misto de ingenuidade e medo do cadete Upham (Jeremy Davies). Todos com histórias e formações muito diferentes entre si, mas que foram forçados pela guerra a se juntarem e, agora, compartilham um tocante sentimento de camaradagem e união, ainda que a discórdia ocasionalmente surja entre eles.

No centro de tudo está o Capitão John Miller, vivido de forma carismática por Tom Hanks. O ator exibe aqui todo a seu talento, já demonstrado em outros filmes, para interpretar um homem comum que se encontra no meio de uma situação extraordinária, e rapidamente ganha a simpatia do espectador. Não é difícil para nós entendermos porque aqueles homens seguem os seus passos, uma vez que a disciplina e a dedicação com que ele trata a todos é exemplar. De forma inteligente, Hanks revela aos poucos os sinais do desgaste emocional que os anos de guerra infligiram ao seu personagem, mas sempre mantendo em seus olhos o brilho da esperança de que todos os esforços e perdas sofridas foram por um bem maior. É uma performance sutil e que, muitas vezes, parece não exigir grande esforço, mas quando chega os minutos finais da projeção somos surpreendidos pelo quanto estamos investidos no personagem, e isso se deve ao trabalho minucioso do ator.

Na climática batalha final, em meio às ruínas de uma cidade bombardeada, nós não experimentamos a mesma intensidade da sequência inicial, até porque a escala do conflito é menor. Por outro lado, dessa vez o nosso envolvimento emocional é maior, já que agora conhecemos a maioria daqueles rostos e assim, a cada perda sofrida, o impacto é sentido muito mais profundamente.

“O Resgate do Soldado Ryan”, obviamente, é sempre lembrado pelo realismo e intensidade das suas sequências de batalha. Porém, um outro aspecto me chamou bastante atenção quando revi o filme depois de muitos anos: a sua maturidade no retrato da selvageria da guerra e como ela muda as pessoas. Apesar do longa abrir e fechar com a bandeira americana tremulando, o filme está longe de ser uma propaganda ufanista. É muito interessante notar como, por exemplo, em meio ao caos do desembarque na Normandia, alguns soldados americanos se sentem realizados ao ver o sofrimento dos soldados inimigos, preferindo deixá-los queimar até a morte do que tirar as suas vidas rapidamente com um disparo. É o retrato de como a guerra é capaz de despertar os sentimentos mais primitivos e selvagens das pessoas.

Neste sentido, o personagem do cadete Upham acaba tendo o arco dramático mais interessante. É trágico constatar como as suas nobres intenções de poupar a vida dos soldados inimigos que se renderam, conforme manda o código de conduta do exército, se mantêm apenas até o momento em que ele mesmo começa a sentir na pele os horrores da guerra. Rapidamente, e para o seu próprio espanto, ele percebe que o desejo de vingança é um sentimento que pode se tornar forte demais para controlar.

Por tudo isso, O Resgate do Soldado Ryan representa um momento especial do cinema americano. Afinal, estamos falando do trabalho de um diretor de imenso talento e no auge da sua forma, o qual, tendo pleno controle sobre os mais avançados recursos cinematográficos que estavam à sua disposição, foi capaz de realizar um verdadeiro espetáculo visual e de tirar o fôlego que, não apenas conseguiu nos transportar para uma outra época, como também teve a coragem de levantar um espelho para que pudéssemos ver o melhor e o pior lado do ser humano quando colocado em situações extremas.