Muito se fala na tal da “fórmula Marvel”. Que o estúdio que mudou a forma como vemos os filmes de super-herói – e arrecadou bilhões de dólares no processo – tem uma “receita” pronta para colocar seus personagens na telona. Muita gente até usa isso para diminuir as produções do Marvel Studios (“Ah, mais um, esses filmes são tudo a mesma coisa”, etc.).

Embora até seja compreensível pensar assim, é preciso antes de tudo deixar claro que quase todos os filmes seguem fórmulas e estruturas já definidas. Algumas das coisas das quais a Marvel é acusada de usar na sua “fórmula” já existiam muito antes de o Stan Lee fazer a sua primeira ponta nas telonas, por isso reclamar só da produtora por fazer uso desses recursos sempre me pareceu meio injusto. Além do mais, houve vezes também em que os filmes da Marvel subverteram esses elementos e apresentaram variações nessa mesma fórmula.

Por isso, apresento aqui os principais “mandamentos” (na minha visão) da Fórmula Marvel de fazer filmes (e dinheiro). E também algumas vezes em que eles ignoraram ou subverteram esses mandamentos…



1. Se teu filme é de origem, seguirás a Jornada do Herói à risca!

A Jornada do Herói, proposta pelo antropólogo e escritor norte-americano Joseph Campbell no seu livro “O Herói das Mil Faces”, virou um padrão de história comum em Hollywood depois que George Lucas a usou como base para conceber o primeiro filme da saga Star Wars lá nos anos 1970. Desde então, blockbusters dos mais variados tipos – e até alguns dramas sérios e aclamados no Oscar como Rocky, Um Lutador (1976) e O Silencio dos Inocentes (1991) – usaram o arquétipo do herói que embarca numa jornada, conhece um mentor, conquista aliados, enfrenta inimigos e melhora o seu universo. Na Marvel, Homem de Ferro (2008), Thor (2011), Capitão América: O Primeiro Vingador (2011), Homem-Formiga (2015) e Doutor Estranho (2016) seguem a Jornada do Herói sem tirar nem pôr.

Variações deste mandamento: Bem… Ainda não apareceram.


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2. Teu herói arrogante deverá sempre amadurecer (Mas não muito).

O Poderoso Thor era um cara cheio de si, até o dia em que veio à Terra e conheceu a Natalie Portman e seus amigos chatos. Tony Stark era vendedor de armas e passou combatê-las… com uma poderosa arma, o seu traje. Stephen Strange era um médico babaca que terminou sua jornada cheio de poderes, e só um pouco menos babaca.

Notaram a semelhança? Os filmes da Marvel surgiram na época em que os heróis do cinema tinham que ser “sombrios” e falhos, mais próximos do mundo real. A caracterização desses personagens é fiel às suas contrapartes dos quadrinhos, afinal, nas HQs os heróis da Marvel sempre foram mais humanos e menos certinhos que os da concorrência. Mesmo assim, é curioso que o amadurecimento desses personagens nas telas é muitas vezes incompleto: eles sofrem transformações, mas não passam por mudanças significativas de caráter como geralmente ocorre em dramas orientados a personagem. Talvez seja uma coisa da nossa época: o publico parece gostar dos seus heróis com uma pitada de babaquice.

Variações deste mandamento: Muita gente duvidava que o Capitão América, com seu jeito certinho e patriotismo claro, poderia emplacar junto ao público moderno de cinema. Mas a Marvel manteve a fé no bom mocismo do seu primeiro super-herói e se deu muito bem, com Chris Evans conquistando o público tal como Christopher Reeve e seu icônico e também certinho Superman.


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3. Sempre trarás muita destruição ao final da tua história.

Tirar sarro dos filmes da Marvel por sempre trazer no seu clímax uma batalha na qual cidades flutuam (Era de Ultron) ou são arrasadas (Soldado Invernal) ou até mesmo com mundos inteiros em risco (Guardiões da Galáxia) virou lugar-comum. Bem, não foram eles que inventaram os altos riscos do terceiro ato dos roteiros de blockbusters… Mas eles com certeza abusaram desse recurso, especificamente depois do primeiro Vingadores em 2012.

Variações deste mandamento: Em Doutor Estranho, o clichê era completo, tinha até o raio de luz em meio à cidade sendo destruída… Mas a forma como o filme resolveu o conflito final se revelou interessante e fiel ao personagem. A destruição até foi revertida no final!


thor ragnarok GIF4. Teu vilão jamais ofuscará os teus heróis

Há alguns anos, Kevin Feige, o chefão de produção do Marvel Studios, afirmou que “Em 2008 houve dois filmes de super-heróis [Homem de Ferro e Batman: O Cavaleiro das Trevas]. Um se focou no vilão e outro no herói. Nós nos focamos nos heróis. E gostamos disso”. É a filosofia da empresa, e não espere mudanças. Por mais que os vilões Marvel sejam interpretados por atores do calibre de Jeff Bridges, Cate Blanchett, Mads Mikkelsen ou Robert Redford, eles nunca vão roubar a cena dos personagens heroicos. Conforme-se.

Variações deste mandamento: Michael Keaton, pela própria força do seu talento e pela concepção inteligente do seu personagem em Homem-Aranha: De Volta para Casa, conseguiu ofuscar o herói, pelo menos numa cena: o diálogo deles dentro do carro.


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5. Acima de tudo… Não te levarás muito a sério!

Sou um leitor antigo de quadrinhos. Então, quando penso em Marvel, a primeira coisa que me vem à mente é o Homem-Aranha soltando umas piadinhas idiotas enquanto enfrenta um super-vilão. Logo depois penso no Galactus, um sujeito gigante de roupa roxa, e seu arauto, o Surfista Prateado, vindo destruir a Terra. A Marvel nos quadrinhos é (geralmente) colorida, divertida, com um pezinho no mundo real e o outro na mais desvairada fantasia, e no cinema os produtores e cineastas conseguiram criar algo equivalente. Há uma irmandade entre as mídias, uma lição que outros em Hollywood – especialmente a “Distinta Concorrência” – podiam aprender. Nesse espírito, sempre há como se divertir com os filmes da produtora, graças ao humor e ao clima de “estamos levando isso aqui a sério só o bastante!”. Até os filmes mais fracos do Marvel Studios possuem esse espírito. Essa é a “cara”, a assinatura da produtora, e tem dado certo até agora…

Variações deste mandamento: Thor: Ragnarok (2017) assumiu de vez a comédia e as deliciosas tolices inerentes às histórias de super-heróis, e resultou num dos filmes mais divertidos do ano passado.


As limitações… Ou como aprendi a parar de me preocupar e amar a Marvel.

No fim das contas, parece certo que o Marvel Studios provavelmente nunca produzirá um filme de super-heróis tão idiossincrático como um Batman (1989) de Tim Burton ou mesmo um Logan (2017). Num cenário em que o cinema se mostra cada vez mais avesso a riscos, isso não é uma coisa boa. Mas, por outro lado, eles nunca produziram um filme ruim – não há nada nos 10 anos da Marvel que sequer chegue perto, em termos de ruindade, de um Batman & Robin (1997), ou dos produzidos pelo estúdio Fox Demolidor (2003) e Quarteto Fantástico (2015), por exemplo. Cabe a cada espectador decidir se a fórmula é realmente algo próximo do seu gosto ou não. De minha parte, eu aguardo o próximo filme Marvel feliz com a pipoca do lado. Até mesmo porque tenho consciência de que filmes premiados e tidos como “de arte” às vezes também se mostram bastante formulaicos… O problema do cinema não é tanto a fórmula, mas o que se faz com ela.

 

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