O Cine Set lança o novo site com uma série de entrevistas com os sete candidatos ao Governo do Amazonas. Propostas para o setor, a falta de cinema no interior do estado, o curso de audiovisual da UEA e a situação do atual secretário de cultura, Robério Braga, são temas discutidos nas conversas com os postulantes ao cargos.

Pela ordem alfabética, o candidato do PMN, Chico Preto, é o segundo entrevistado pelo Cine Set. Reeleito três vezes vereador na Câmara Municipal de Manaus, chegou à Assembleia Legislativa do Amazonas como deputado suplente em 2008, sendo eleito em 2010 com 26.153 votos. Chico Preto concorre pela primeira vez ao Governo estadual.

Cine Set: O senhor considera o audiovisual/cinema como uma área prioritária para se investir?

Chico Preto: Temos como verdade, nosso verdadeiro objetivo na área da cultura, o resgate das nossas raízes, da nossa cultura. O Amazonas não pode perder a raiz da nossa cultura cabocla e indígena. Cultura no sentido lato sensu: culinária, poesia, música… Acredito muito nessa ideia, inspirado pelo que os gaúchos fazem. Veja, em cada lugar desse país você vê um CTG, um Centro de Tradições Gaúchas, e eles levam isso para onde eles vão. Isso é ainda mais importante quando vemos que no nosso Estado há uma migração muito forte, temos aqui hoje várias culturas. Então, nossa política cultural precisa ter essa preocupação com o nosso traço, o nosso DNA cultural. Com relação aos caminhos pelos quais a cultura pode se desenvolver, você me pergunta se o audiovisual é uma prioridade. Para mim, é algo que precisamos continuar desbravando. Poucos sabem que temos aqui bons valores no Estado, é uma coisa ainda muito pouco conhecida. Quando eu falo no Orange Cavalcante, lá em Tefé, que faz cinema, as pessoas não acreditam. Mas ele faz, no meio da selva, com os jovens de Tefé. Então, o desafio é continuar desbravando e consolidando esse setor. Afinal, é uma opção para divulgação do nosso traço cultural. O Orange faz cinema com essa característica, contando não apenas os desafios contemporâneos de uma cidade como Tefé, mas também resgatando a origem cabocla. Então, quero montar uma política cultural com alguém que possa ter olhos para essa questão, mantendo conquistas já estabelecidas como o Amazonas Film Festival. Outro desafio da política cultural é que, durante a eleição ela tem que alcançar 62 municípios. Mas na hora da execução ela não chega a 10. Temos que pensar na opção de ampliar isso para uma maior quantidade de municípios.

Cine Set: Esse é outro ponto válido, a presença do cinema no interior. De todos os municípios interioranos do Estado, apenas Itacoatiara tem sala de cinema. Como fazer para mudar isso?

Chico Preto: Uma coisa que me abriu a perspectiva foi uma conversa que tive com o Abrahim Baze. Ouvi dele uma ideia muito legal e completamente possível, a ideia de cinema popular, filmes em praças públicas que fogem um pouco daquele cenário tradicional. Hoje em dia, o cinema invade as casas através de mecanismos como a TV a cabo e isso é cada vez mais comum. Já vi isso no interior, pessoas assistindo Telecine e Canal Brasil. O legal do cinema popular, nos moldes que o Abrahim me falou, é motivar a discussão do coletivo. O cinema popular, com um projeto definido e rotineiramente levando títulos para as comunidades e para o interior, títulos que, às vezes, nem estão disponíveis facilmente, isso motiva a discussão de temas atuais. Filmes brasileiros que, por exemplo, falem dos desafios das famílias como Bicho de Sete Cabeças, e assistir ali com a comunidade. Acho legal a ligação do cinema com as coisas que vivemos hoje – Não só como diversão, mas como pauta para se tentar compreender fenômenos que acontecem hoje.

Cine Set: Aproveitando que foi mencionado o professor Abrahim, coordenador do curso de audiovisual da UEA – Após anos de boatos de uma faculdade de cinema na UEA, foi implantado esse curso técnico, o qual chegou a correr risco de ser cancelado. Falta investimento no campo educacional nessa área?

Chico Preto: Acho que temos que ter uma visão diversificada. A universidade não pode ser só o tradicional, com Engenharia, Direito… Tem que se ter ousadia. A formação superior em Artes também é interessante. Embora, acho eu, e estou dando aqui uma opinião superficial, que esses cursos não devam ter a procura de uma Medicina ou um Direito. Mesmo assim, temos que ter essa opção, eu não consigo conceber um Estado que queira ter no turismo uma ferramenta capaz de incrementar o desenvolvimento econômico, sem que haja profissionais formados em arte que ajudem a consolidar essa cadeia produtiva. Porque o turismo e a arte apresentam um forte link, uma ligação. Claro, há uma discussão sobre custos e operacionalização desses cursos, mas essa discussão é própria desse processo. Não vejo com bons olhos a ideia de “vamos acabar, porque isso não tem utilidade”. É preciso olhar as coisas de maneira holística. É uma questão até de incentivar a formação de professores na escola publica: eu tive aula de artes, tinha noção de pintura, de poesia, aprendíamos sobre métrica e rima… Acho que isso me deu uma base mais ampla para entender e completar situações, para que eu não me tornasse um ser humano raso. Então, vejo com bons olhos a iniciativa da UEA, principalmente dentro desse cenário onde se encontra o turismo e resgate de cultura – como não se ter um curso voltado à arte? E aí o cinema se inclui.

Cine Set: Qual a sua opinião sobre o Amazonas Film Festival? Acha que é uma iniciativa válida, que ajuda a expandir e divulgar o cinema amazonense?

Chico Preto: Acho que ele é muito mais válido, por exemplo, que o Festival de Ópera. Tenho uma boa impressão, embora não conheça a metodologia do AFF, mas enquanto iniciativa de reconhecimento e divulgação de conteúdo audiovisual, acho muito legal e válido. Acho que, inclusive, poderíamos pensar em articulações, por exemplo, para fazer pesquisas de caráter audiovisual, e a FAPEAM ser um órgão de conexão. Falo de pesquisas aplicadas que gerem conhecimento através de documentários. Meu desafio como governador do Estado será o de disseminar esse entendimento, essas ideias. Porque nem sempre uma decisão do governador é entendida pelos outros setores, o desafio é o da cadeia de comando. E isso se aplica ao setor da cultura, ao setor do turismo. O turista, quando vem à Manaus, quer conhecer nossa cultura num sentido amplo, e planejar isso junto com a Secretaria de Cultura é fundamental para se obter resultados. Então, nosso objetivo é fazer com que essas iniciativas sejam absorvidas no dia-a-dia pelas pessoas que vão coordenar e implementar a política de cultura.

Cine Set: O que o senhor acha da gestão do secretário de cultura Robério Braga? Tendo em vista que ele comanda a SEC há mais de uma década. Pretende mantê-lo no cargo?

Chico Preto: Acho que ele teve uma contribuição histórica na área da cultura, mas penso que é momento de formação de novos quadros. E para fazer isso, é preciso até correr o risco de errar, senão não se forma novos quadros. O Robério acertou, errou, foi empreendedor, e está aí há tantos anos, e deu sua inegável contribuição. Mas como tudo na vida, é preciso renovar. Como é que eu posso pensar em renovar o governo do Estado e não renovar a política de cultura?

Cine Set: Para terminar, vamos falar sobre a sua visão sobre a cultura. Como o senhor vê a cultura na formação de uma sociedade e qual deve ser a participação do Estado nesse setor?

Chico Preto: O Estado tem um papel fundamental, como falei, no resgate do nosso “DNA cultural”. O amazonense não pode esquecer que nossa cultura não é chimarrão, é tacacá (risos). Então, o Estado tem que induzir esse processo. Como fazer isso? Vou falar um pouco do que vejo de forma prática a respeito de programação cultural. Vejo o Centro Cultural dos Povos da Amazônia dentro de um circuito, com programação de segunda a segunda, e não apenas quando há grandes eventos. Vejo-o aberto para o Torrinho, para o Candinho, para a Inês, para o Pireira, para o Turenko Beça… E não apenas voltado para música eletrônica, o vejo voltado para o nosso DNA. O poder do Estado é o da indução, de criação desses nichos de cultura que são fundamentais para o nosso povo. O governo do Estado não pode perder isso de vista. E também precisamos resgatar aqueles que desbravaram e que continuam produzindo, como um Aldísio Filgueiras, um Aníbal Beça, um Tenório Telles, um Milton Hatoum… Resgatar essas figuras e fazer com que cada vez mais pessoas os conheçam, é importantíssimo para a consolidação da nossa cultura. Tive uma experiência na câmara municipal quando um grupo de poetas amazonenses saía pelas escolas fazendo a caravana literária, e eu cheguei a acompanhar numa ou duas escolas. Por que não fazer algo assim, retomar? Por que não fazer, com o apoio da SEC, com que nossas escolas recebam uma caravana de poetas?

Mas o papel do Estado tem que ser também o da produção de cultura, e aí se incluem coisas que vão além da nossa “joia da coroa”, o Boi de Parintins. Você fala do audiovisual: então por que não se pode ter o Amazonas Film Festival um dia em Tefé, prestigiando, mostrando para o mundo pessoas como o Orange, que produz cinema lá? Onde seria feito eu não sei, mas poderíamos pensar nessa possibilidade. Manaus é a porta de entrada do Estado, mas temos que ter essa coragem, essa ousadia de levar as coisas um pouco mais longe. Aliás, o curso de artes da UEA, por mim, seria em Parintins. Porque acho que ali reside o traço de cultura mais originário que nós temos. Tudo fica muito concentrado em Manaus. Precisamos criar em outros locais essa ebulição cultural, e o Estado tem que ter essas sacadas. Eu tomaria essa decisão: chegaria com o reitor da Universidade e perguntaria “O que você acha de levar o curso de artes para Parintins?”. O jovem iria conviver com toda aquela cultura, que é nossa. Eu tenho esses insights meio distantes do normal, mas quero ser governador para ter a oportunidade de tomar essas decisões. Governar é tomar decisões e, para mim, a inquietação de mudar alguns status quo que vemos por aí é uma coisa positiva. Na cultura dá para a gente avançar e muito, sem desconsiderar os avanços que já conseguimos, mas temos que ousar, para assim avançar mais ainda.