O Homem-Aranha é o mais popular super-herói da Marvel Comics, isso não se discute. Se a Marvel fosse a Disney – e hoje em dia as duas companhias são parceiras – então o Homem-Aranha seria o Mickey dela. Essa popularidade fez o personagem perdurar por mais de 50 anos – ele foi originalmente criado por Stan Lee e Steve Ditko em 1963 – e render não apenas uma, mas duas versões para o cinema num espaço de uma década. Após estrelar vários desenhos animados e uma série live-action tosca nos anos 1970, o Aranha virou um grande astro de cinema, e já nos acostumamos a pensar nele assim.

Agora que o personagem voltará para casa, o Marvel Studios, na sua nova e grandiosa aventura no cinema – na pele do jovem ator Tom Holland e com Robert “Homem de Ferro” Downey Jr. como mestre/parceiro – vamos rever a carreira do Cabeça-de-Teia na telona. É uma carreira de altos e baixos: Houve momentos em que a teia do Aranha falhou e ele caiu de cara no chão, mas também houve momentos nos quais ele voou alto…


Nasce um herói: Homem-Aranha (2002)

Após problemas judiciais e algumas tentativas abortadas – incluindo uma do “Rei do Mundo”, o cineasta James Cameron – o Homem-Aranha finalmente estreou na tela grande em 2002, sob a batuta do cineasta Sam Raimi, conhecido na época pelo seu clássico do terror A Morte do Demônio (1981) e suas sequências, assim como pelo drama Um Plano Simples (1998). Tobey Maguire interpretava Peter Parker, o jovem estudante nova-iorquino que é picado por uma aranha geneticamente modificada e se torna super-herói, destinado a combater o vilão Duende Verde (Willem Dafoe) e a suspirar pela garota mais bonita do colégio, Mary Jane Watson (Kirsten Dunst).

A importância de Homem-Aranha não pode ser minimizada: foi o filme que consolidou a chegada dos heróis de HQs em Hollywood, e para ficar. O sucesso de X-Men (2000), alguns anos antes, abriu as portas, e coube ao Aranha escancará-las de vez. É um blockbuster com coração, pois Maguire e Dunst são encantadores e o filme é um sonho realizado para qualquer fã do personagem. Alguns efeitos não envelheceram tão bem, e a direção de Raimi ainda não é tão inventiva quanto viria a ser na sequência, mas Homem-Aranha permanece como um dos destaques na história dos super-heróis no cinema.


A maior aventura: Homem-Aranha 2 (2004)

Temos muitas histórias de heróis, mas poucas enfocam as agruras de ser um deles. Em Homem-Aranha 2, Sam Raimi e seus roteiristas pegam o mais humano dos super-heróis de HQs e contam com ele a história mais humana e dramática possível: E se Peter não quiser as grandes responsabilidades que vieram com seus grandes poderes? Incapaz de segurar um emprego, alvo do ódio de muitos e atormentado por não conseguir uma vida normal com MJ, Peter desiste de ser o Homem-Aranha… Bem na hora em que surge um novo super-vilão, o Doutor Octopus vivido por Alfred Molina.

Tudo funciona em Homem-Aranha 2: os atores, o humor, as cenas de ação, os fantásticos efeitos visuais, a direção de Raimi com toques dos seus filmes de terror como aquela câmera absurda… Mas é o dilema shakespeariano “Ser ou não ser” que torna o filme marcante: Ao final nos emocionamos com Peter Parker e, como num reflexo, também refletimos sobre porque precisamos de heróis como o Homem-Aranha. Todos os filmes a serem feitos com o personagem no futuro terão de suar o uniforme para conseguir superar este aqui, e qualquer lista dos melhores filmes de super-heróis precisa incluí-lo, sob pena de passar vergonha.


O herói dançarino: Homem-Aranha 3 (2007)

Depois dos enormes sucessos, financeiro e artístico, dos dois anteriores, a coisa desanda em Homem-Aranha 3. É o típico caso de refeição estragada por causa dos muitos cozinheiros metendo o bedelho: o estúdio Sony Pictures e o produtor Avi Arad forçaram Raimi a incluir na história o vilão Venom, devido à sua popularidade. Percebe-se também que o diretor largou um pouco o filme de mão, desgastado pelos atritos, e até mesmo Dunst e Maguire já não parecem mais tão interessados quanto antes.

Tem coisas demais nesse filme. Há três vilões – além do Venom encarnado no repórter interpretado por Topher Grace, tem também o novo Duende (James Franco) e o Homem Areia (Thomas Haden Church) – a Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard) como potencial interesse romântico, e o mais imperdoável, uma revisão desnecessária e estúpida na origem do Aranha ao ligar o Homem Areia à morte do Tio Ben. Com tantos elementos, é claro que o roteiro não dá liga, e só se salvam mesmo os efeitos visuais – o nascimento do Homem Areia é uma cena antológica – e um ou outro momento. A cena que os fãs mais lembram do filme é a dancinha do Peter Parker do mal… Quem dançou fomos nós, o público, e também o herói.


O novo herói: O Espetacular Homem-Aranha (2012)

O que foi quebrado em Homem-Aranha 3 não pôde ser reparado. Por um tempo, o estúdio, os produtores e Raimi tentaram desenvolver um quarto filme, mas no fim das contas o diretor e Tobey Maguire foram dispensados porque a Sony resolveu apertar o botão reset. Inspirado pelo impacto dos filmes mais sérios e sombrios do Batman comandados por Christopher Nolan, o estúdio reiniciou a franquia com um novo astro, o ator Andrew Garfield, e um novo diretor, Marc Webb, recém-saído da comédia romântica 500 Dias com Ela (2009).

O maior problema de O Espetacular Homem-Aranha é que a abordagem “séria e sombria” não combina realmente com este super-herói. Além disso, ao recontar a origem do Aranha, o filme inevitavelmente desperta comparações com o primeiro de Raimi, e sai perdendo – não há nada em Espetacular que não tenhamos visto melhor antes, e as ideias novas são na maioria cosméticas, com Gwen no lugar de MJ, teia sintética no lugar da orgânica, e etc. O roteiro fraco também não fornece uma motivação convincente para o vilão da vez, o Lagarto de Rhys Ifans, e distorce a origem do herói ao mostrar Peter não como um garoto qualquer, mas quase como um “predestinado” a virar o Homem-Aranha por causa das experiências do pai. No fim das contas, o reboot não representou grande avanço em relação a Homem-Aranha 3.


Herói perdido: O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro (2014)

A continuação do reboot revela o desespero de um estúdio: sai fora o ar sombrio do primeiro Espetacular e entra um visual mais colorido; desaparece a tentativa de fundamentar o Aranha e seus poderes e tecnologia, e em seu lugar surgem elementos mais fantasiosos típicos dos quadrinhos e dos filmes baseados neles. Ora, levante a mão quem não notou a semelhança entre o visual do novo vilão Electro vivido por Jamie Foxx e o do Mr. Freeze do “crássico” Batman & Robin (1997)…

Espetacular 2 sofre do mesmo problemão de Homem-Aranha 3: Muita coisa. De novo temos vários vilões, entra em cena o Harry interpretado por Dane DeHaan, Peter ainda tenta se resolver com Gwen (Emma Stone), há a resolução do mistério da morte dos Parker, o estabelecimento de mais bandidos para o “Universo Aranha” que o estúdio tinha em mente… Até a tia May (Sally Field) tem umas cenas no hospital! Webb retorna e até cria algumas boas cenas de ação e boas visualizações dos poderes do Aranha, e a continuação consegue ser um pouquinho melhor que o anterior – é no mínimo menos aborrecido. Mas Webb não consegue evitar que o filme desabe sob o peso dos seus muitos objetivos. No fim das contas, a única qualidade memorável dos dois Espetacular Homem-Aranha é a química entre Andrew Garfield e Emma Stone, tão encantadora que os dois até namoraram por um tempo na vida real.


O que esperar do novo Homem-Aranha?

Depois de três longas fracos em seguida do Cabeça-de-Teia, é bom ver que as primeiras reações a Homem-Aranha: De Volta para Casa estão sendo positivas. O personagem foi rejuvenescido de novo – o Aranha é o Peter Pan dos heróis, pois a versão favorita dele de todo mundo é o herói colegial, jovem. Essa versão já roubou a cena em Capitão América: Guerra Civil (2016) e tem tudo para agradar novamente. A Marvel tem cuidado com seus personagens e dificilmente cometerá os mesmos erros da Sony Pictures. Mesmo assim, fica o apelo: Não maltrate o Aranha, Marvel. Ele já sofreu bastante, e seus inimigos lhe causaram menos dor do que os executivos de Hollywood.