Competente, mas incapaz de ser memorável. Mesmo com bons momentos, a cinebiografia do criador da Apple não chega a decolar por estar presa em contar a trajetória do empresário em vez de explorar a mente do protagonista. “Jobs” poderia ser “A Rede Social”, porém, acaba sendo parecido com “Johnny & June” e “Ray”, o que não chega a ser pouco, mas decepciona pela dimensão e grandeza do personagem retratado.

Dirigido pelo desconhecido Joshua Michael Stern (“Promessas de um Cara de Pau”), o filme foca na formação da Apple Computers durante a década de 70 e o período em que Jobs se tornou o CEO da empresa até a saída dele em 1985. A parte final trata sobre o processo do retorno do empresário à companhia nos anos 90. Paralelo a isso, o longa aborda a conturbada vida afetiva do protagonista tanto com os amigos de faculdade quanto com esposa dele e a filha.

Na primeira cena do longa, o objetivo fica claro: ser uma grande homenagem a um homem considerado acima de seu tempo, seja pela capacidade de oratória única ou por causa da visão de simplificação da tecnologia, tornando-a acessível para todos. A aura conferida a Steve Jobs, colocado em um palco sob um jogo de luzes, o transforma em uma espécie de guru de uma geração, em que cada palavra parece fazer sentido assim que dita, composta a uma trilha sonora emotiva com tom vitorioso culmina em aplausos e rostos admirados em closes e planos detalhes.

O filme segue durante a projeção adotando esse tom de forma moderada, mas com a imagem de um líder sempre presente, como, por exemplo, a câmera o seguindo nos corredores lado a lado como se fôssemos mais um colega que precisa escutar ou ver o que este faz. Além disso, o discurso do jovem líder de design industrial da empresa já nos anos 90, ao ressaltar com entusiasmo as virtudes defendidas pelo empresário como ponto de partida para uma mudança revolucionária na Apple, contribuem para a construção do mito capaz influenciar gerações.

Porém, seria imprudente fazer somente um filme de exaltação, pois, Steve Jobs também era conhecido por ser uma pessoa de difícil trato com quem não rendia ou pensava de acordo com ele. E é nesses trechos que o filme mais cresce, pois, ganha intensidade e deixa de ser uma obra apenas didática sobre a vida do empresário. Quando o vemos despedir um colega apenas por este discordar sobre os caminhos de um trabalho ou vai se isolando dos antigos amigos, é possível perceber como uma pessoa, mesmo genial em determinado aspecto, pode ser mimada e imatura para o convívio social. Não à toa que anos mais tarde o velho amigo do protagonista e parceiro de fundação da Apple, Steve Wozniak (o surpreendente Josh Gad), chega à mesma conclusão, mesmo que seja tarde demais. Em outros momentos, pequenos detalhes, como estacionar na vaga de deficientes e passar colegas para trás nas negociações financeiras, vão conferindo maior densidade ao personagem ao mostrar sobre o que é capaz de fazer.

Engraçado notar que, apesar de termos esses dois lados, Steve Jobs continua um mistério dentro da própria obra, principalmente, se formos levar em conta o discurso final, o qual se torna ambíguo ao mostrar a admiração dele por figuras que desprezou nas duas horas anteriores. Infelizmente, a inexperiência do estreante roteirista Matt Whiteley impede que haja um diálogo maior entre o gênio da informática e o ser humano com defeitos, tendo o filme apenas a função de narrar os fatos, sem conseguir entrar na mente do empresário e decifrá-lo, o que David Fincher fez com maestria ao abordar a história do criador do Facebook, Mark Zuckerberg, em “A Rede Social”.

Para piorar, Ashton Kutcher não é bom ator o suficiente para interpretar um sujeito da complexidade de Steve Jobs. Mesmo reconhecendo o amadurecimento dele perante às velhas comédias românticas que acostumamos a vê-lo fazer, o ex-marido de Demi Moore aposta mais em detalhes da caracterização física como a forma curvada de andar e os tiques com as mãos do que em nuances de tom de voz ou expressividade facial, o que aumenta essa falta de densidade do protagonista. Da mesma maneira, o elenco coadjuvante também é limitado, principalmente, Dermot Mulroney, intérprete de Mike Markkula (exceção vale ao ótimo Josh Gad, intérprete de Steve Wozniak).

A sensação que “Jobs” passa é de não querer se comprometer, pois se detém aos fatos já conhecidos e não chega a analisar o líder da Apple. Por isso, o impacto do filme não chega a ser tão intenso quanto o projeto parecia e poderia ser. No fim das contas, fica uma cinebiografia fria e pouco corajosa em ousar, justo o oposto do que buscou em vida o personagem retratado.

NOTA:7,0