Ah, o amor. As delícias das paixões desenfreadas, cegas e absurdas. O amor latente, pulsante, que corre por entre as veias e explode em adrenalina e desespero. O amor é inexplicável. Há quem diga que só vivemos um grande amor por toda a vida. Há aqueles que vivem grandes amores ao longo da vida. Há aqueles ainda não tiveram a oportunidade de viver um verdadeiro amor. Porém, amores podem ser subjetivos. Há amores por toda parte. Parece frase de efeito, brega até. Mas o amor nos dá essa licença poética; em ser brega. Mas o que é ser brega enquanto mostrar ser uma pessoa apaixonada e querer todos (as) para si?

Os amores vêm e vão. São amores de verão, amores de uma semana, amores de uma transa, amores de uma noitada, amores românticos, fraterno-maternos, de amigos, de irmãos, platônicos, amores para vida inteira. E, principalmente, amar a si mesmo. Essa recíproca é mais que verdadeira.

É nessa linha tênue e trivial entre o amor e o brega que Rafael Gomes (“Música para Morrer de Amor” e “45 Dias sem Você”) concebe “Meu Álbum de Amores” que, mais uma vez, flerta com trilhas sonoras que fazem parte da nossa vida, pois a música tem um papel fundamental em meio ao caos e as artimanhas desta vida um tanto inconstante. É a válvula de escape. Quem nunca sofreu pelo amor partido ou platônico ao som de uma balada daquelas?

Júlio (Gabriel Leone) é um dentista playboy certinho que vê seu mundo desmoronar quando o grande amor da vida, Alice (Carla Salle) resolve colocar um ponto final no relacionamento de cinco anos. Para completar o mundo em ruínas, descobre que o verdadeiro pai é o cantor brega/popular Odilon Ricardo (Gabriel Leone), que fez muito sucesso nos anos 1970 e depois sumiu do mapa. O músico, porém, “reaparece” morto com uma herança: a casa e um meio-irmão Felipe (Felipe Frazão) igualmente afetado pela paixão. Então, os dois juntos partem ao desconhecido: ser reconhecerem e ir atrás do verdadeiro amor do seu pai para entregar suas cinzas.

ACIDENTE PROPOSITAL

Transitar pela comédia romântica não é um caminho muito fértil no cinema nacional que tem seu alicerce no drama ou em comédias escrachadas. Uma comédia romântica com pegada musical poderia cair no lugar comum de esquetes de programas de humor. Mas não com Gomes: “Meu Álbum de Amores” mais parece um longo videoclipe, e isso está longe de ser uma ofensa, haja vista as performances inspiradas de Leone na pele desse brega cantor/cantor brega que tem como suspiro primeiro o amor.

Em uma das cenas que mais parecem aqueles musicais dos anos 1970 e 1980, um dos amores de Odilon Ricardo declama: “a melhor forma de evitar um acidente é fazer de propósito”, uma máxima que Gomes, também roteirista juntamente com Luna Grimberg e Vinicius Calderoni, acreditou e apostou todas as fichas, ainda que em certo momento a produção se arraste e fique um tanto enfadonho, o contexto geral é competente.

O ar brega e escuro dos anos 70, as cores vivas de 2021 e as transições em capítulos como em um vinil e em títulos de canções dão um ar pop, sofisticado e divertido. O elenco encabeçado por Gabriel Leone*e Felipe Frazão é um capítulo à parte. Participações inspiradas de Olivia Torres, Regina Braga, Maria Luísa Mendonça, Clarice Abujamra e Laila Garin (é com ela a melhor cena do filme, interessantíssima a contraposição entre eles e Leone com Salle) é formidável.

*NOTA DO AUTOR: não há nada que esse menino não possa fazer, não é mesmo? Leone é um ator que dá gosto de ver em cena tamanha é sua entrega. O seu sotaque paulista, e contraponto entre a safadeza de Odilon e retração de Júlio são impecáveis; a sua linguagem corporal muda conforme o personagem. Se comparar o Leone de “Dom”, por exemplo, e aqui, parece outra pessoa. Excelente.

As músicas, todas originais, compostas por Odair José e Arnaldo Antunes, são outro protagonismo. Inspiradas, sofredoras, intensas e longe de serem bregas. Títulos como “Museu de Relações Perdidas” dão o tom intenso ao filme, como o amor é, intenso, popular, brega, avulso, incoerente e fundamental. Como canta Odair e Arnaldo: “se o amor bater em minha porta não me recuso a ser o anfitrião”. Seja bem-vindo.

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