Todo dia o noticiário econômico nos bombardeia com más notícias capazes de nos encher de preocupação e irritação. É tanta corrupção, desperdício e mau uso de dinheiro que nos deixa revoltados, ainda mais porque sempre persiste a sensação de que alguém, em algum lugar, está se beneficiando com a desgraça de milhões. Sentimo-nos impotentes porque os ricos parecem ficar mais ricos e os pobres e classe média só se dão mal. Sentimos que o nosso sistema financeiro não passa de um jogo, um cujas cartas já foram determinadas e distribuídas antes mesmo de nós nascermos. Esses sentimentos de revolta e um desejo de nos “vingarmos”, de enfim fazer justiça contra quem tem mais do que nós, alimentam o drama de suspense Jogo do Dinheiro da diretora Jodie Foster. Mas ao mesmo tempo, a falta de controle frente a esses sentimentos é também o calcanhar de Aquiles da produção.

Não é injusto descrever Jogo do Dinheiro como uma espécie de cruzamento entre Um Dia de Cão (1975), o clássico de Sidney Lumet, com o vencedor do Oscar de Roteiro Adaptado deste ano, A Grande Aposta (2015), sobre a recente crise imobiliária dos Estados Unidos. Na trama, George Clooney interpreta Lee Grant, apresentador de um daqueles extravagantes programas de TV americanos que abordam o mercado financeiro. Julia Roberts vive Patty, a produtora do programa. Num dia aparentemente comum, o estúdio é invadido por Kyle Budwell (Jack O’Connell): armado com uma pistola, ele força Grant a vestir um colete com explosivos e ameaça explodir o estúdio, a menos que o recente e misterioso caso envolvendo a perda de milhões de dólares (dele, inclusive) e o fundo de investimento do bilionário Walt Cambry (Dominic West) seja explicado em frente às câmeras.

Budwell representa a nós, e por isso o personagem é deixado propositadamente como um pouco vago – descobrimos apenas o essencial sobre ele. O’Connell é um poço de tensão no papel e todos os atores estão muito bem. Roberts faz uma espécie de alter-ego de Foster dentro do filme, comandando toda a trama, e Clooney está muito à vontade, aproveitando com gosto cada oportunidade de desconstruir sua imagem de galã – suas dancinhas durante o programa são muito divertidas e ele chega a aparecer sentado no vaso sanitário no início do filme.

Foster também demonstra ter reassistido a Um Plano Perfeito (2006), filme de Spike Lee onde trabalhou como atriz. O clima de tensão no início de Jogo do Dinheiro e as cenas envolvendo a polícia planejando a operação de resgate trazem à lembrança momentos semelhantes do longa de Lee. Até o diretor de fotografia é o mesmo: Matthew Libatique adota uma paleta enfatizando a cor verde, a mais importante do filme, aquela que os personagens perseguem, presente nos cenários e nos figurinos. A história elaborada pelos roteiristas Jamie Linden, Alan DiFiore e Jim Kouf se passa em tempo real ao longo de algumas horas, e por isso o filme retém um senso de urgência.

O filme se move rápido e é bem feito, porém falta a Foster a veia satírica para fazer esse material realmente se tornar forte – coisa que Lumet fazia com facilidade, por exemplo. Ao longo da trama algumas cenas de humor parecem mal colocadas, quando não absurdas – como aquelas envolvendo um sujeito usando um creme para ereção (!) e o negociador da polícia demonstrando uma gigantesca falta de tato para a função. Seguindo a cartilha de Hollywood, o longa tem um vilão claro, o personagem de West, e não demora muito, quase todos os personagens resolvem ajudar o sequestrador Kyle na sua busca pela verdade. O personagem de Clooney começa muito cínico, mas rapidamente demonstra ser um cara legal no fundo, e perto do final o longa começa a abusar da suspensão de descrença do espectador – sério, numa situação parecida na realidade o personagem de West estaria cercado de seguranças, não abandonado à própria sorte como no roteiro.

No desfecho os roteiristas forçam a barra para fazer a história terminar nos seus termos, e quais são eles? Eleger um vilão para as nossas crises econômicas, e tentar chegar a um tipo de punição. Esses vilões existem, claro, mas reduzi-los a uma dimensão individual sem também levar em conta o sistema no qual eles proliferam – coisa que A Grande Aposta nunca perdeu de vista – demonstra um pouco de ingenuidade. É aquela sensação de revolta, descrita anteriormente, fazendo os cineastas perderem o controle e a objetividade sobre a própria visão e sobre a história a ser contada.

Onde Jogo do Dinheiro realmente acerta é na descrição dos nossos tempos, nos quais a desgraça de uma pessoa vira show, é transformada em espetáculo para a grande maioria. Uma das melhores cenas ocorre quando Patty pede ao câmera do programa que se aproxime do maluco com o dedo no botão explosivo, para pegar um ângulo melhor dele, com “menos sombras”. Outro grande momento envolve os vídeos virais com Walt Cambry, perto do final do filme. Nessas cenas, ao relacionar a mídia com os males do capitalismo, a sátira de Jogo do Dinheiro atinge forte. Não é um filme ruim, mas é um que poderia ser melhor e mais forte: no fim das contas, Jodie Foster e seus roteiristas estão mais interessados no personagem de Clooney do que no de O’Connell, repisando clichês de “personagens sem alma descobrindo que possuem uma”, e em apontar o dedo contra os “mestres do universo” de Wall Street. Mas miram os dedos baixo demais, porque perderam a objetividade.