La Cama, drama argentino, é muito semelhante a uma peça teatral: é desenvolvido praticamente em um único ato, há apenas dois atores em cena que se expõem sem qualquer pudor diante das câmeras e a maioria das situações se passa dentro de um único cenário (uma casa), com 60% da dramaticidade e conflitos ocorrendo em dois cômodos deste ambiente. A principal diferença do filme de estreia na direção da atriz Mónica Lairana para as encenações teatrais é a veia introspectiva. Há uma total ausência de diálogos entre o casal, cabendo ao público construir o quebra-cabeças emocional da relação através das minúcias não ditas e dos longos silêncios que povoam o ar da produção – aqui a expressão ‘o corpo fala’ cai como uma luva.

No filme, Jorge (Alejo Mango) e Mabel (Sandra Sandrini) são um casal sexagenário que, depois de anos casados, estão prestes a se separarem. É neste último dia que passam juntos, na casa em que viveram por décadas, que a cineasta Lairana foca para situar o espectador no mar de frustrações emocionais, cumplicidade, mágoas e perdas do casal. La Cama não deixa de ser uma versão invertida do nacional Entre Lençóis (2008) que tinha Reynaldo Gianecchini e Paolla Oliveira como um jovem casal, que depois do sexo, ficavam conversando na cama horas e horas sobre diversos assuntos. O que tinha de jovialidade, verborragia, desejos e expectativas em relação ao futuro na produção nacional, o drama argentino é praticamente anêmico.

O filme, ao focar um casal da terceira idade prestes a se separar, situa grande parte do seu olhar nos extremos emocionais e de que maneira a passagem do tempo afeta a relação a dois. Não há grandes detalhes sobre o passado deles ou os motivos do esvaziamento do casamento. Logo, o filme exige do espectador muita atenção em decodificar certos códigos tão presentes naquele ambiente familiar marcado pela frustração, o tempo quase morto preenchido pelo sentimento de tédio e o desmoronamento afetivo.

Quebra-cabeças emocional bem planejado e sensível, porém, exaustivo

O texto de Mónica explora o silêncio em diversas cenas – os próprios diálogos entre os personagens não passam de três a cinco frases no espaço cênico -, o que traduz bem os sentimentos de perda e luto do casal. Nota-se que mesmo dentro um relacionamento já falido, encontramos gestos de amor e paixão em pequenas situações, seja em fazer um curativo, seja em comprar a janta da pessoa amada, mesmo que esta refeição será a última entre ambos.

Aqui, a diretora acerta bastante ao deixar sua obra bem próxima da verossimilhança: temos um filme devastador sobre separação e as mudanças que devemos tomar quando sentimentos importantes se perdem pelo caminho, mas que ainda há espaço para admiração e complacência para serem cultivados. Isso é facilmente perceptível nas cenas que abrem e fecham o filme, relacionadas à sexualidade na idade madura, marcada pelo sofrimento – a impotência masculina e a frustração feminina – e pela cumplicidade da relação pelo êxtase atingido no último take. Entre a dor pungente causada pelo desamor, temos uma obra sensível de poucas palavras e que tem muitas coisas a dizer nas suas entrelinhas.

Esteticamente, “La Cama” flui muito bem. A câmera de Lairana passeia por este cotidiano pesado por meio de planos fixos e bem planejados na captura dos intensos silêncios, sempre apostando no posicionamento à distância, com a câmera em pontos estratégicos, situada principalmente nas frestas dos cômodos, colocando o público como um espectador voyeur – a visão impassível e seca da diretora transmite as mesmas sessões indesejáveis de um filme de Michael Haneke.

Esta estética um tanto quanto rígida, imposta pela diretora ajuda narrativamente a construir grande parte das arestas simbólicas da psicologia abalada do casal. Os planos estáticos transmitem o sentimento de paralisação que o casal sente frente ao luto da separação. O fato deles andarem a maior parte do tempo nus denota não apenas a cumplicidade como a própria naturalidade como ambos encaram as suas próprias decadências físicas, com os corpos sendo filmados de forma exaustiva.

É interessante que a fotografia e a direção de arte do filme trazem algumas belas representações simbólicas visuais ao deixar o cenário da casa de Mabel e Jorge cada vez mais claro à medida em que os dois se desfazem dos objetos pessoais que entulham a moradia, revelando que o casal ao se desvincular das memórias e afetividade que aqueles objetos trazem, permitem que o cenário fique menos pesado, deixando que a escuridão inicial do espaço seja invadida pelas luzes à medida que o casal lida com suas perdas. É verdade que grande parte da força do filme – além da direção segura de Mónica – reside nas interpretações densas de Alejo Mango e Sandra Sandrini, que fazem enxertos bonitos no que tange a ternura nos pequenos gestos e detalhes que delineiam as ações dos seus personagens.

Contudo, o excesso de subserviência ao texto causa um engessamento a própria narrativa. Faltam elementos para estruturar ou dar um peso dramático aos conflitos e introspectividade da dinâmica do casal. Fica a sensação da proposta ter se esgotado rapidamente, com Mónica repetindo a mesma situação mais de uma vez, trocando apenas os cenários – muda-se o quarto pela sala ou pelo banheiro – deixando o filme extenuante para o espectador. Para uma produção de 90 minutos, temos a sensação que experimentamos 120 minutos de vários momentos morosos que, no desenrolar da película, cansam. Há, no fundo, um sentimento que algumas das revelações que “La Cama” realiza, se tornam improdutivas o que compromete certas passagens dramáticas, uma delas quando Mabel entra em uma crise de ansiedade pela demora de Jorge em retornar pra casa.

Esses caminhos repetitivos e redundantes tomados pelo filme diminuem parte do impacto dramático estabelecido na proposta inicial de Mónica Lairana. La Cama revela uma estreia interessante da atriz atrás das câmeras, por criar um cinema intimista e teatral cada vez mais raro, por se preocupar em investigar os sentimentos dos vínculos humanos através da verossimilhança das atuações naturais. O que depõe é que ao optar por não revelar nada dos personagens, o filme e o texto provocam mais tédio no público, deixando a sensação de que alguma coisa interessante se perdeu em certo momento quando Jorge e Mabel transitavam de um quarto para outro.