Que me perdoem os White Walkers e as grandes batalhas: “Game of Thrones” se diferenciou das principais séries de fantasia na televisão americana pelo intrigante jogo político. Repleto de conspirações, traições e personagens de caráter dúbio, a produção da HBO colocou o espectador sempre para pensar sobre o que estaria se passando por trás das falas e gestos dos protagonistas. Os três primeiros episódios da última temporada, porém, deixaram de lado este jogo para se concentrar na luta pela sobrevivência. Graças ao golpe de Arya no Rei da Noite, “GOT” retorna aos trilhos em um capítulo muito perto dos melhores momentos da saga.

Apesar dos primeiros minutos trazerem a dimensão do conflito com os White Walkers pela pilha de corpos em frente a Winterfell, não demora muito para se perceber que nem mesmo uma batalha como aquela será capaz de apagar a luta pelo poder. Nesta disputa, o roteiro da dupla David Benioff e D.B Weiss constrói uma teia complexa de relações muito bem solidificadas pelo desenvolvimento feito nas temporadas anteriores, o que escancara as fragilidades e forças de cada personagem.

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Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), por exemplo, sempre foi a grande conquistadora, impondo o seu domínio pela força de seu exército e com posteriores atos de generosidade aos seus subjugados, muitos deles que viviam anteriormente em condições miseráveis. A mãe dos dragões até tenta fazer o mesmo ao reconhecer Gendry como um legítimo Baratheon e dar o título de lorde ao rapaz, porém, o Norte, alvo de tantos ataques, não se conquista facilmente. A incapacidade de articulação aliada à impaciência levam ao isolamento. Este desespero domina a personagem de um modo até impensável com um apego maior ao poder do que se imaginara. Não à toa a súplica feita a Jon Snow (Kit Harington) soar muito mais como uma forma de salvar a chance de se manter a futura Rainha dos Sete Reinos do que por amor puro e simples. Ir para o combate contra Cersei, mesmo em desvantagem, acaba sendo uma resposta até para si própria de tentar retomar as rédeas de um jogo quase perdido.

Nisso, entra Tyrion (Peter Dinklage): o anão sempre demonstrou apreço por Daenerys não apenas pela beleza, mas, também por enxergar nela uma possibilidade de uma líder forte, mas, justa para os Sete Reinos. Porém, o Lannister já entendeu o quanto a personagem de Emilia Clarke está ficando para trás e percebe que a completa falta de habilidade política da heroína a impedirá de se manter no trono.

Por isso, nos melhores momentos desta oitava temporada até agora, as conversas entre ele e o até então sumido Lorde Varys (Conleth Hill) são tão preciosas por colocarem complexidade neste intricado jogo. Interessante como Tyrion responde, sem hesitar, já ter cogitado trair a mãe dos dragões e observar a visão política de Varys, um sujeito sempre enigmático, mas, com uma lucidez invejável ao ponto de incomodar. Ainda testemunhamos diálogos afiados sobre a lamentável força de um homem em posição de poder em relação a uma mulher no mesmo cargo e a sarcástica diferença entre segredo e informação.

GIRL POWER

Neste jogo de poder, “Game of Thrones” mostra a cada novo episódio como as personagens femininas se tornaram o foco da produção. Mesmo ressaltando aspectos já salientados anteriormente, Sansa Stark (Sophie Turner) brilha no reencontro com o Cão de Caça (Rory McCaan). Ao mostrar que teve diversas vezes a possibilidade de ir pelo caminho mais fácil e acabou sempre caindo nas piores mãos, ela mostra como estas mazelas a tornaram forte como nunca se imaginaria na época de lady. Falando neste título, Arya (Maisie Williams) segue se consolidando como uma heroína feminista da nossa época ao recusar o status de ‘bela, recatada e do lar’ para seguir como uma guerreira.

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Na contramão de Arya, Brienne (Gwendoline Christie) ganha seu dia de donzela como nunca sonhara. Apesar do final pesar a mão em um momento excessivamente melodramático, o romance dela com Jaime (Nikolaj Coster Waldau) vai além da fanfic ao conseguir humanizá-la: não é apenas a questão da virgindade, mas, também por vermos uma mulher fora do padrão de beleza frequentemente visto na série, mais alta e forte que o seu parceiro, tendo sua vida amorosa retratada tanto quanto Daenerys ou Sansa já tiveram.

E claro: habemus Cersei (Lena Headey). E que falta ela faz!

Mesmo com poucas cenas, a força da personagem rouba cada instante em que aparece. A reação dela entre a raiva e a comoção ao ouvir Tyrion implorar pela paz, remetendo aos filhos, amplifica a tensão de um momento por si só aflitivo. Ela ganha ainda mais força com a presença da Companhia Dourada e todo o poderio deles apresentado com a morte de mais um dragão (aliás, que decepção este filhos da Daenerys).

JON IGUAL NED

Contrariando todas as previsões, Jon Snow surpreendeu neste domingo ao adotar uma postura mais ativa. O herói decepcionou com pouca força e sem uma presença marcante durante a batalha de Winterfell. Por outro lado, o quarto episódio desafiou o personagem muito mais que qualquer White Walker: Jon nunca foi um mestre da habilidade política e o trágico acontecimento do fim da quinta temporada é o melhor exemplo disso. Sua liderança deve-se muito mais por ser destemido e um grande guerreiro, algo, inclusive, salientado por Varys na conversa com Tyrion.

Escolher a família Stark ou do amor com Daenerys em meio à descoberta da própria origem o colocam em um cenário completamente desconfortável para ele. Os sorrisos sem graça na festa de comemoração da batalha são um indicativo deste embaraço, piorando a cada encontro com as peças deste tabuleiro. Os erros cometidos por Jon, comprometendo-se com cada um dos lados e não sabendo lidar com nenhum dos cenários à frente, prometem cobrar um preço caro para o personagem.

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Apesar de saber a verdadeira origem, Jon Snow nunca se pareceu tanto como Ned Stark quanto agora: a busca por atitudes nobres e formas de uma coexistência pacífica entre todos pode até ser bonita, mas, soa muito ingênua dentro de um universo marcado pelo caos, intriga e luta pelo poder de “Game of Thrones”. Não duvide se o destino de Aegon Targaryen for idêntico ao antigo Rei do Norte.

Muito mais que uma mera preparação para a grande batalha final, o quarto episódio da última temporada de “Game of Thrones” resgata os melhores momentos da série com o foco naquilo que interessa: política e personagens. Que os próximos capítulos não se esqueçam disso!