Algumas coisas na vida são ternamente memoráveis, como vitórias e alegrias tão especiais que permanecem vivos na mente anos depois de serem experimentados. Algumas coisas são recordadas pela razão inversa: tão terríveis e traumáticas que retornam em flashes desagradáveis. E há o resto das coisas que simplesmente deixam registro, por mais que não sejam ruins: uma ida tranquila e sem trânsito ao trabalho, a chegada da refeição em um restaurante, uma transação bancária aprovada no início do mês. É em meio destas que o drama “Last Flag Flying”, novo longa de Richard Linklater, deverá encontrar moradia.

Parece injusto dizê-lo, especialmente porque o filme não é ruim, tampouco falha em envolver o espectador. Aqui, o diretor busca inspiração nos personagens de “A Última Missão”, filme de 1973 estrelado por Jack Nicholson, para prover uma espécie de sequência para a história dele. Em “Last Flag Flying”, acompanhamos um trio de veteranos da Guerra do Vietnã – Sal (Bryan Cranston), Doc (Steve Carell) e Mueller (Laurence Fishburne) – se reunirem depois de décadas para acompanhar o transporte do corpo do filho de um deles, morto na Guerra do Iraque, rumo ao local do enterro.

Uma vez juntos, o filme parece uma versão dramática e arthouse de “Última Viagem a Vegas”, tirando sua força da interação entre os protagonistas cinquentões. Linklater, que co-assina o roteiro, é habilidoso em evitar várias armadilhas da estrutura do road movie e não busca tornar a jornada dos três homens especialmente poética e edificante. Esses são homens brutos e profundamente marcados por um passado violento, afinal. Ao invés disso, o foco da câmera e do texto está justamente nas tensões do grupo, que divergiu muito desde os tempos de caserna: Sal é um dono de bar beberrão, Doc é um vendedor que passou um tempo na prisão por participar de um esquema fraudulento e Mueller se tornou um pastor.

Se você achou essas diferenças um pouco calculadas, estamos juntos nessa. Há várias discussões no decorrer do longa que parecem óbvias e o roteiro oferece problemáticas cujo desfecho já sabemos antes mesmo de acontecer. Linklater não precisa provar, a essa altura, que sabe escrever um bom roteiro, mas “Last Flag Flying” não oferece muitas surpresas, só conseguindo atingir o público por conta do talento de seu elenco. Bryan Cranston é super carismático com seu Sal, personagem falho do qual gostamos imediatamente, e Steve Carrell, um ator vindo da comédia mas que tem ótimos dotes dramáticos, oferece mais uma prova disso com seu Doc.

E talvez este seja o calcanhar de Aquiles do longa: a quantidade de talento de primeira envolvida num filme que apenas entretém. O diretor de obras que fazem excelente uso do improviso, como “Antes do Amanhecer” e “Boyhood”, não consegue extrair momentos sensacionais dos já mencionados Cranston e Carrell, que são conhecidos pelas experimentações no set. Por mais que tenha mensagens interessantes, as mais claras sendo a desconfiança do povo americano no seu governo e a derradeira inutilidade da máquina de guerra, “Last Flag Flying” passa boa parte de suas duas horas num limbo dramático sem grandes emoções.

No final das contas, apesar de beber da fonte de outro filme, vários temas da obra de Linklater permeiam “Last Flag Flying”, entre eles a análise da masculinidade, o efeito do tempo nas relações e a alienação da vida cotidiana (aqui, em particular, a causada pelas instituições militares). O problema é que ele já tocou neles de maneira contundente, de maneira que seu novo filme ficou relegado um lugar atípico em sua filmografia: aquele destinado aos filmes que somem da mente ao rolar dos créditos.