O objetivo principal de Mais Forte que o Mundo já está exposto pelo seu título: contar a história de um dos maiores lutadores da história do MMA e ex-campeão do UFC, o amazonense José Aldo Júnior, de uma forma grandiosa e edificante. Para seu mérito, o filme do diretor Alfonso Poyart até tenta injetar um pouco de complexidade no retrato do seu biografado, mas esse esforço não é completamente bem sucedido. Depois de uma experiência complicada em Hollywood com Presságios de Um Crime (2015), Poyart retorna ao Brasil e ao estilo do seu ótimo 2 Coelhos (2012), e suas invenções visuais trazem um pouco de frescor a uma história que, no fim das contas, é muito batida no cinema.

E qual história é essa? A do lutador cheio de raiva, e de talento, que veio da pobreza e precisa vencer seus demônios interiores para triunfar no ringue. O filme já começa em alta velocidade quando, numa tomada que lembra a abertura de Clube da Luta (1999), a câmera sai de dentro da cicatriz no rosto de José Aldo (interpretado por José Loreto) e o mostra dentro de um carro, prestes a dar uma paulada em algum pedestre que lhe cruze o caminho. Era apenas mais uma brincadeira de uma noite qualquer na vida do jovem, em Manaus.

Aldo é mostrado como praticamente um delinquente que vê a mãe (Claudia Ohana) ser periodicamente espancada pelo marido bêbado, o seu José (Jackson Antunes). Após algumas confusões, ele consegue um dinheiro e se manda para o Rio de Janeiro, onde começa a treinar e a dar os primeiros passos na carreira vitoriosa como peso-pena no UFC. Porém, em meio a todas as lutas, aos problemas e coisas boas, permanece viva a lembrança do pai, como um espectro a assombrar o homem que Aldo pode se tornar.

Essa história é contada com muitos floreios por Poyart. Logo no início do filme, o diretor inclui uma animação para representar visualmente um “causo” contado pelo pai de Aldo – mais tarde essa animação reaparecerá num momento importante. Mais à frente, uma luta entre Aldo e seu rival, encenada sob chuva, adquire ares de Matrix Revolutions (2003) pela forma como é filmada por Poyart, com muita câmera lenta e sons poderosos na trilha sonora. A montagem do filme é muito dinâmica, aliás, e o diretor e seus montadores se inspiram nitidamente na estética de produções de Hollywood como as franquias Rocky e Bourne, e no filme Guerreiro (2011), para encenar as cenas de ação.

O diretor coloca sua câmera em ângulos dos mais inusitados: na ponta da madeira usada por Aldo para bater nas suas “vítimas”, na corda com a qual ele pula e se exercita – porém, pelo menos uma vez o diretor realmente cai no mau gosto ao pôr a câmera no interior de um vaso sanitário… Numa luta decisiva, sua câmera descreve um vertiginoso 360o em torno do octógono, noutro momento os lutadores adquirem ar de bonecos de videogame devido à velocidade reduzidíssima com a qual a ação é mostrada. A direção de arte e a fotografia também são acertadas, estabelecendo o contraste entre a Manaus sombria e monocromática, sob um tom de amarelo nas cenas noturnas (quase todas), e a claridade e vastidão do Rio. Mesmo assim, a produção comete um deslize ao encenar uma conversa entre Aldo e seu pai em Manaus numa ponte coberta, onde passam trilhos de trem (!).

Bem, apesar desse deslize, pode-se dizer que Mais Forte que o Mundo com certeza é visualmente interessante, e o filme nunca se torna monótono ou sem vida. Mas todas as invencionices visuais não conseguem realmente disfarçar o fato de que a história é clichê. Loreto se entrega totalmente ao papel de José Aldo e a dedicação do ator mantém o espectador investido no personagem, e as atuações de Antunes e Milhem Cortaz como o treinador Dedé Pederneiras também são fortes. E o roteiro de Poyart, escrito em parceria com o escritor Marcelo Rubens Paiva, se esforça para deixar o protagonista mais complexo. Por grande parte do filme, José Aldo é caracterizado como um crianção e um pouco egoísta, um sujeito pelo qual o público não necessariamente sentiria empatia não fosse a atuação de Loreto.

Porém, o conflito básico da narrativa, o embate entre Aldo e seu pai, é resolvido de forma insatisfatória e fácil demais pelo roteiro. O filme perde uma oportunidade dramática ao não reconhecer que o pai, por piores que tenham sido os seus defeitos, ajudou a fazer de Aldo um campeão. Foi o ódio pelo pai, misturado a um pouco de amor, que propeliu o lutador – e o treinador até chega a tornar isso claro ao dizer ao protagonista que “o ódio é igual à gasolina pro motor de um carro”. Mas, ao final da história, o ódio é deixado de lado e temos apenas uma cena com diálogo expositivo e bobo para amarrar a narrativa. E o que dizer do “vilão” do filme, vivido por Romulo Neto? Trata-se de uma figura desnecessária após o primeiro ato, que aparece depois em mais cenas em Manaus para criar um conflito artificial para o protagonista. É o mesmo personagem com o qual o Aldo/Neo luta na chuva, o Agente Smith para o herói, com direito até a uma cicatriz parecida na face. E o conflito entre eles é resolvido num sonho… O roteiro poderia gastar o tempo perdido nisso com algo mais útil.

Algumas tentativas de complexidade até surgem aqui e ali em Mais Forte que o Mundo. Porém, o objetivo geral do filme é o de contar uma história de redenção, e em nome dessa redenção essas complexidades são deixadas de lado. É algo que acontece em muitos filmes biográficos, e apesar de ser impressionante do ponto de vista técnico e muito bem defendido pelos seus atores, no fundo a cinebiografia de José Aldo é um filme igual a muitos outros. Entretém e até emociona em alguns momentos, mas apesar de ser uma história sobre um lutador, ela não atinge o público com muita força.