Alerta de spoiler: apesar de se chamar “Nico, 1988”, o longa, exibido no Festival de Londres, contém pouquíssimas cenas no referido ano. O longa de Susanna Nicchiarelli, que dramatiza o final da vida da cantora alemã, está mais interessado no que aconteceu em 1986, ano que viu Nico sair em constante turnê pela Europa para divulgar Camera Obscura, disco gravado no ano anterior que se tornaria seu último registro em estúdio.

O cinema está cheio de biografias de rockstars problemáticos e sua grande maioria contém um spoiler embutido no design: assistimos o filme sabendo que os sujeitos retratados estão mortos. No entanto, para fins dramáticos, um arco é colocado em suas vidas para nos dar algo para acompanhar enquanto o fim não chega.

No caso de Nico, a diretora opta por uma segura história de busca pela redenção, representada aqui pelo desejo de se livrar das drogas e de se reunir com o filho, Ari, cuja guarda lhe foi negada por decisão judicial. É um mote fácil, especialmente se tratando de personagens femininos, e que funciona aqui tão somente porque a atriz dinamarquesa Trine Dyrholm vende o trabalho com sobriedade e firmeza, sem glorificar em nenhum momento o comportamento da cantora.

Dyrholm sabe que está interpretando uma pessoa que já viveu seus dias de glória e que está em uma espiral descendente. É através dela que o filme explica que a grande tragédia da vida de Nico não foi morrer, mas sim sobreviver ao seu sucesso inicial com o disco gravado junto à influente banda Velvet Underground.

Tivesse ela feito parte do infame Clube dos 27 – a lista de músicos famosos que morrem tragicamente cedo -, a apreciação da obra de Nico poderia ter sido diferente. Ao invés disso, a história a viu se desligar do grupo que lhe deu o pontapé inicial na carreira e lançar discos experimentais que receberam pouca ou nenhuma atenção em seu tempo de vida, circunstância que pode ter acelerado seu vício em heroína e contribuído para o seu comportamento cada vez mais errático.

Assim sendo, ao mesmo tempo em que ela é perseguida pelas responsabilidades da vida que ela não consegue administrar, ela também é perseguida pela sua fama anterior, sendo importunada com perguntas sobre o tempo com o grupo e perguntas pessoais sobre seu filho, seus vícios e sua condição mental – ou seja, basicamente o tipo de abordagem midiática pela qual quase toda artista passa ainda hoje.

Apesar disso, o trabalho merece muitos pontos por não vitimizar a cantora e tocar fundo nas feridas de seus últimos anos de vida, escapando da armadilha de santificar seu objeto. O filho de Nico, Ari, participou da produção e merece um salve por ter autorizado um retrato tão ambíguo e falho.

Infelizmente, para além desses temas e do trabalho de Dyrholm, “Nico, 1988” não tem muito o que o diferencie de outros dramas biográficos similares. Como o roteiro se atém a pontos simples (uma performance interrompida por um ataque de estrelismo, um abuso de drogas vexatório, etc), ele não oferece surpresas e deixa a desejar.

De maneira geral, o longa se beneficia e muito de um conhecimento prévio da obra de Nico e é material obrigatório para fãs. Para o público geral, ele é um drama competente que, diferentemente da artista que retrata, não contém muitos altos e baixos, mas segue uma mesma batida por todo o seu tempo.