Ao se assistir a O Destino de Júpiter, o espectador fica com a impressão de que os irmãos Wachowskis queriam fazer do filme a sua versão de Star Wars. Porém, eles não exatamente acertam no alvo com este longa, em parte porque Andy e Lana Wachowski já tinham feito o Star Wars deles, uma obra marcante na cultura pop e revolucionária no que se refere à parte técnica dos efeitos visuais do cinema – foi Matrix (1999), que assim como a ópera espacial de George Lucas, também virou trilogia.

Na verdade, Júpiter é o Duna (1984) dos Wachowskis. Lembram-se do filme de David Lynch que tentou adaptar para o cinema a saga de ficção-científica de Frank Herbert? O Duna de Lynch era um filme de visual arrebatador, mas cuja história não fazia muito sentido e cujos personagens eram mais rasos que uma folha de papel. Era uma obra de um cineasta que não sabia muito bem o que estava fazendo – foi a primeira e única experiência de Lynch com ficção e um grande orçamento. Os Wachowskis, no entanto, sabem o que estão fazendo, e fizeram tudo que se vê no filme com carta branca do estúdio Warner Bros. Esta é a maior diferença entre o trabalho deles e o longa oitentista.

Não é tão fácil resumir Júpiter numa breve sinopse, mas vamos lá: o longa conta a história de Júpiter Jones – com uma protagonista com esse nome, já dá para sacar o tom do filme. Interpretada por Mila Kunis, Júpiter recebeu esse nome por causa do seu pai, que gostava de olhar para as estrelas. Sua filha, no entanto, está mais acostumada a olhar para o fundo de vasos sanitários, pois trabalha como empregada doméstica para ajudar a sustentar a sua grande família de imigrantes ucranianos, que vivem em Chicago, cidade natal dos Wachowskis.

Um belo dia ela decide vender seus óvulos – não perguntem – e durante a operação os médicos se revelam alienígenas e se mostram dispostos a matá-la. Ela é salva na hora H por um caçador alienígena com cavanhaque, orelhas pontudas e a cara do ator Channing Tatum. Seu personagem é uma mistura genética de homem com lobo e se chama Caine Wise – “cão sábio?” – e durante sua fuga Júpiter descobre que, por direito genético, é a herdeira da casa de Abrasax. Os irmãos Abrasax são um bando de riquinhos mimados que duelam entre si para governar nosso setor do universo, e o pior deles, Balem (Eddie Redmayne), é o maior interessado na morte de Júpiter. Balem deseja “fazer a colheita” na Terra, e isso não soa bem, e logo Júpiter e Caine estarão lutando para salvar o nosso planeta.

Toda essa história, que aliás nunca fica realmente clara para o espectador, é contada como se fosse uma história em quadrinhos europeia e maluca. Visualmente, o filme é um espetáculo: os efeitos são impressionantes e oferecem uma ampla variedade de visuais, desde os ambientes luxuosos, complementados pela direção de arte, onde vive Kalique Abrasax (Tuppence Middleton) até o cenário industrial e repleto de gases de Júpiter – o planeta, não a personagem – onde Balem vive. E a catedral onde ocorre um casamento no segundo ato da história é outro cenário de cair o queixo. As criaturas virtuais também são interessantes e realistas, como os capangas reptilianos de Balem. No fim das contas, os diretores realmente nos apresentam a um universo interessante e bem elaborado.

Os figurinos de K. K. Barrett também impressionam, ora pelo luxo, ora pela forma como complementam os personagens, e a trilha sonora do sempre competente Michael Giacchino é outro atrativo, com seus temas empolgantes – embora o filme repita um pouco além da conta o mais épico deles, no ápice das cenas de ação. E também é interessante a noção dos Wachowskis de um universo administrado como se fosse uma corporação, sujeito aos caprichos de uma nobreza não muito diferente da terrena – a cena que mostra a burocracia do universo, no entanto, não é tão engraçada quanto os diretores pensam.

Porém, o roteiro não se compara aos visuais do filme. O longa é repleto de diálogos expositivos feitos para explicar a trama – o personagem de Sean Bean praticamente só serve para exposição. E mesmo assim as coisas não ficam inteiramente claras… Além disso, os personagens não empolgam. O romance entre Tatum e Kunis é bobo – ela gosta de cachorros – e a unidimensionalidade de todos os personagens é flagrante.

Mesmo assim, tudo isso parece proposital. Os Wachowskis investem num clima de fantasia e fuga absolutas, numa época em que o cinema busca o “realismo”. Nesse sentido, o filme deles é como um retorno àquela época em que tínhamos mais filmes malucos de fantasia e ficção, imprevisíveis e muitas vezes tolos. Porém, de vez em quando alguma obra mais marcante surgia. Isso não significa, de maneira alguma, que se possa defender algumas das opções dos irmãos, e isso se estende ao elenco. Mila Kunis passa o filme todo com um sorriso no canto do rosto, mas essa parece ser a atitude certeira que os Wachowskis desejam para a sua heroína. Tatum é inexpressivo e passa um longo trecho da história sem camisa (!), mas o que importa no seu personagem é o visual, sua capacidade de lutar e, claro, as botas que lhe permitem correr pelo ar. E Redmayne tem uma atuação risível como Balem, alternando entre dopado, quando fala sussurrando, e histérico, quando grita sem motivo com seus subalternos.

Novamente, os irmãos Wachowskis fazem um filme que desafia classificação e rótulos. Toda uma discussão sobre boa arte/má arte poderia travada a partir do filme, e sobre o valor de cada uma dessas classificações. O Destino de Júpiter é um bom filme? Não, pois apresenta muitos problemas que um bom filme não deveria ter. Mas, caso o espectador tenha a mente aberta e se mostre disposto a aceitar a obra pelo que ela é, até dá para se divertir um pouco com ele, ainda mais do meio para o fim, quando as conversas expositivas diminuem um pouco, a ação aumenta e o publico consegue se “acostumar” com o tom da experiência na tela.

É fácil malhar esse filme, como aconteceu com a crítica em geral – e muita gente ainda tem má vontade com os Wachowskis desde as sequências de Matrix, isso é inegável. Mais difícil, no entanto, é tentar analisar porque eles fizeram o filme do jeito que fizeram. Ninguém faz algo ruim de propósito e O Destino de Júpiter é bom e ruim em partes iguais, e o resultado é o de uma experiência meio rara hoje em dia. Trata-se de um filme derivativo e repleto de clichês, mas maluco e esperto o suficiente para não se parecer com os blockbusters tradicionais de hoje. Esse é o insight que faltou a David Lynch em Duna. Será que Júpiter, daqui a alguns anos, vai virar cult, como atualmente o filme de Lynch é visto em alguns círculos? Coisas mais estranhas já aconteceram.