A relação das pessoas com o cinema é sempre múltipla. Dos profissionais da área, passando pelos críticos, cinéfilos e o público que vê nos filmes uma boa diversão para o final de semana, sempre há espaço para certa paixão. Observar essas nuances foi justamente a parte mais bacana para mim quando o editor do Cine Set, o Caio, me propôs escolher algumas pessoas para que elas respondessem ao seguinte questionamento: qual seria o filme da sua vida e por quê?

Embora aparentemente simples, a pergunta lançada às pessoas abaixo não raro gerou dúvidas: “Como escolher o filme?”, “É o que considero o melhor?”, “Devo escolher algo que se assemelhe a algo que aconteceu na minha vida?” foram algumas delas. Dentre estas e outras, a mais divertida: “Mas é pra escolher só um?!”.

É aí que identificamos como os filmes cativam indivíduos de vidas e gostos tão diferentes. Através de imagem e som, eles dialogam com cada um, não importa se é um drama, um faroeste ou uma ficção científica, e são convidados a entrar na vida das pessoas.


ALMIR KIMURA JR. – “UM SONHO DE LIBERDADE” (1994), DE FRANK DARABONT

Para o engenheiro e professor universitário Almir Kimura Jr., foi difícil não se inclinar a escolher algum longa da saga Star Wars como filme da sua vida, mas, no fim das contas, “Um sonho de liberdade” acabou pesando mais. Ele, que é filho do Almir Kimura herdou o icônico Cine Oriental de Parintins (AM), conta que assistiu ao filme de Darabont várias vezes desde a adolescência, mas que a obra continua sendo marcante: Lembro que já vi esse filme pelo menos umas cinco vezes em momentos distintos da minha vida, e todas as vezes novas lições são aprendidas”.

Outro ponto que ajudou a conquistar Almir foi o roteiro, também de Darabont. Ele explica que “o que torna esse filme muito especial é a habilidade que ele tem de nos emocionar com diálogos memoráveis e reviravoltas impressionantes”.

Adaptado de uma obra de Stephen King, “Um sonho de liberdade” conta a história de um homem preso injustamente por ter sido acusado de assassinar a própria esposa e o amante dela. Para fugir, ele traça um plano que envolve paciência e muita, muita perseverança. Essa qualidade chamou a atenção de Almir de maneira especial: “A capacidade que o personagem principal tem de resiliência é fora do sério. A esperança e a luta diária para um futuro melhor torna esse o filme da minha vida”, explica.


BRUNO IZIDRO – “SCOTT PILGRIM CONTRA O MUNDO” (2010), DE EDGAR WRIGHT

A escolha do jornalista especializado em games Bruno Izidro não poderia ser muito diferente: ele pode até ter tattoos de Star Wars, mas seu selecionado foi “Scott Pilgrim contra o mundo” (2010), de Edgar Wright. No longa, o personagem-título, interpretado por Michael Cera enfrenta vilões inusitados para conquistar Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winestead): seus sete ex-namorados do mal. O filme virou um cult instantâneo por ter assimilado o visual dos videogames como poucos no cinema.

Izidro, que entende bem do assunto (ele já escreveu matérias sobre games veículos como os sites Kotaku, Gizmodo, Vice e outros), aponta que a afinidade com o visual e inspiração do filme faz com que o repeteco seja regra: “Scott Pilgrim é um dos poucos filmes que eu assisto todo ano, pelo menos uma vez; é um hábito que não costumo ter com filmes”, destaca.

A preferência pelos jogos eletrônicos, porém, não é o único ponto que agrada Bruno em “Scott Pilgrim contra o mundo”. “Acho que faço isso [rever o longa] porque ele tem uma estética de videogame que é uma mídia com que eu tenho mais vínculo, até porque eu trabalho com isso. Mas como audiovisual, eu também consigo apreciá-lo”. A preferência de Bruno pelo filme descamba até mesmo no velho embate entre adaptação e obra original. “Também li os quadrinhos do Bryan Lee O’Malley [do qual o filme foi adaptado], mas acho o filme infinitamente melhor”, explica. “É uma parada inversa: normalmente, as pessoas gostam mais do trabalho original”.


CORA CORRÊA – “A PRINCESA E O GUERREIRO” (2000), DE TOM TWYKER

Ainda seguindo a linha dos cults, a assistente administrativa Cora Corrêa escolheu o alemão “A princesa e o guerreiro” (2000), de Tom Twkyker. Esse, que foi um dos longas que, junto com “Cora, Lola, Corra” (1998), iniciou a boa fase do diretor nos anos 2000, foi eleito por Cora por sua pegada romântica, mas um tanto amalucada, e visual caprichado.

Ela conta que assiste ao filme pelo menos duas vezes ao ano e explica sua preferência a partir da trama: “O filme tem a Franka Potente e o Benno Fürmann, que homem lindo! Eles são, respectivamente, o que o título propõe; porém, esse título não condiz com a realidade dos personagens. Ambos são muito loucos: ela é enfermeira em um hospital psiquiátrico que tem uma história bizarra, e ele, um ex-militar rude e agressivo que tenta assaltar um banco”.

A questão musical e sonora como um todo também e um dos pontos de preferência para Cora. Ela cita a trilha sonora como um dos pontos altos de “A princesa e o guerreiro”: “Fiquei fã para sempre da banda Skunk Anansie, que toca no filme”, acrescenta.

Com o duo um tanto inusitado, o filme reúne outros elementos que trabalham a questão romântica sem apelar diretamente para os clichês vindos do gênero. Para Cora, a maneira como os protagonistas passam a se relacionar é um ponto que chama a atenção. “É interessante porque eles se conhecem quando ela sofre um acidente e ele a ajuda fazendo os primeiros socorros. Após isso, ela sofre, tadinha, à procura dele, para conhecer melhor seu salvador”, relembra.


FRANCISCO RICARDO – “TUDO SOBRE MINHA MÃE” (1999), DE PEDRO ALMODÓVAR

O artista plástico e diretor de arte Francisco Ricardo tem como favorito “Tudo sobre minha mãe”, de Pedro Almodóvar: “Foi um dos primeiros filmes que assisti do Almodóvar e hoje ele é meu diretor preferido. Marcou um momento de descoberta e aceitação na minha vida”. Ricardo explica ainda que os temas caros ao diretor espanhol foram justamente o que lhe despertou atenção especial ao cinema: “Durante muito tempo, eu assisti a filmes de maneira mecânica, como uma forma de distração. Creio que ‘Tudo sobre minha mãe’ foi um dos primeiros que mexeu comigo porque trabalha de maneira sensível questões relacionadas à sexualidade, a relação mãe e filho e, principalmente, mulheres”.

A relação travada entre memória afetiva e fílmica é forte na escolha de Ricardo, como ele bem relembra ao comparar o filme com aspectos de sua infância. “Cresci muito próximo da minha mãe e das amigas dela e sempre observava as relações femininas com muito fascínio. O filme mostra uma percepção muito próxima daquilo que eu observava durante parte da minha infância nessas relações entre mulheres”, explica.

 O motivo pessoal acabou descambando para o profissional, quando Francisco se envolveu com o audiovisual. Ele, que já trabalhou em produções da Artrupe, revela que os filmes de Almodóvar são uma de suas fontes de inspiração. “Assistir aos melodramas dele me fez procurar mais sobre cinema, sobre outros diretores e, principalmente, sobre direção de arte. Hoje, meu trabalho tem muita influência das cores de seus filmes”.


JOSEMAR FREITAS JR. – “O CONDE DE MONTE CRISTO” (2002), DE KEVIN REYNOLDS

Dentre os que tiveram dificuldade de escolher apenas um filme da sua vida, está o jornalista Josemar Freitas Jr. Ele, que é meu ex-orientando e produziu um TCC que gerou artigo científico sobre a jornada de herói no filme “Thor” (2011), escolheu a versão de Kevin Reynolds do clássico “O Conde de Monte Cristo” (2002). Josemar confessa que rever o filme não tira a empolgação com a trama. “Sempre me passa aquela sensação de nostalgia e, ao mesmo tempo, parece que é primeira vez que estou vivenciando a história de Edmond Dantes”.

Dentre os motivos para escolher o filme, Josemar destaca a temática de perseverança e superação da trama, adaptada do livro de Alexandre Dumas e que já recebeu inúmeras adaptações para o cinema: “Não tem como não ter empatia com o personagem que passa por muitas injustiças e que apesar de todo sofrimento, não se deixou abater e conseguiu dar a volta por cima”, explica.

O enredo de “O Conde de Monte Cristo” vai do desejo de vingança a um sentimento mais nobre, e essa é outra das marcas do longa que Josemar aprecia tanto no filme. “Acredito que, apesar de todo sofrimento que possamos passar, o importante não é focar no quanto a vida é injusta, e sim em conseguir se superar. Foi isso que Dantes me ensinou, pois foi acusado de traição e assassinato injustamente, mas apesar de tudo, com a sua determinação e bravura, conseguiu superar todos esses infortúnios”.



JOHNNES MELRO – “CLUBE DA LUTA” (1998), DE DAVID FINCHER

Também no clube daqueles que tiveram dificuldade de eleger um só filme está o Analista de TI Johnnes Melro. Depois de uma pré-seleção que (pasmem!) também tinha um dos longas da saga Star Wars, ele escolheu “Clube da Luta” (1998), cult de David Fincher estrelado por Edward Norton e Brad Pitt. “Foi o filme que mudou minha maneira de pensar sobre a minha vida adulta, não no momento que vi o filme, em 1998, mas anos depois”, conta.

Para Johnnes, a trama radical e questionadora de “Clube da Luta” o fez refletir sobre vários desafios cotidianos, uma vez que, no longa, o personagem principal de Norton se envolve com Tyler Durden (Pitt), iniciando o clube do título e, posteriormente, organizando ações cada vez mais extremas contra instituições e estilos de vida tipos como ideais, porém superficiais. “A maneira como o Jack vivia, suas noites sem dormir, o desânimo com a sociedade, a prisão mental e angústia de idealizar ser alguém melhor e mais aceitável pela sociedade a cada dia que se passava, de pensar em ter coisas que nunca ia precisar ter, mas que me faria ser mais legal ou mais aceitável… quando vi novamente o filme, me sentia cada vez mais como o personagem principal”, confessa, mostrando que o roteiro permanece bem fresco em sua memória.

Quem assistiu ao filme sabe que as ideias que ele traz descambam para ações bem perigosas na trama. Mas Johnnes explica que sua história, ao contrário da do duo de protagonistas, tomou um rumo diferente por conta das reflexões trazidas pela obra: “Como a vida às vezes não imita a arte, antes que tudo explodisse, eu tive um despertar e tive tempo de corrigir tudo. Me livrei do meu Tyler interior”, garante.


VALSUI JÚNIOR – “ENCONTROS E DESENCONTROS” (2003), DE SOFIA COPPOLA

Experiências pessoais e conteúdo motivacional podem pesar para a escolha do filme da vida de alguns, mas para o universitário Valsui Júnior, a temática de maneira mais abrangente é o que o fez escolher “Encontros e desencontros” (2003), de Sofia Coppola, como o filme de sua vida. “Acredito que é um filme que retrata sobre a solidão no mundo moderno e a superficialidade das relações humanas, mesmo com a discrepância de gerações”, explica, ao relembrar que a amizade improvável entre a jovem Charlotte (Scarlett Johansson) e o ator de meia idade Bob Harris (Bill Murray) é o centro da trama do longa cult.

Valsui é finalista do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e está em pleno processo de produção de um documentário como Trabalho de Conclusão de Curso. Além disso, escreve críticas para o site A Escotilha. Logo, não é de se estranhar que ele destaque como os aspectos de construção fílmica contaram para a escolha pelo filme de Coppola: “[Encontros e Desencontros] tem uma fotografia maravilhosa e uma trilha sonora fenomenal que eu amei desde o primeiro momento que assisti ao filme até hoje”, confessa.