Uma das belezas do cinema de gênero é perceber como, às vezes, roteiristas e cineastas espertos conseguem criar combinações que, à primeira vista, podem parecer impossíveis de funcionar em conjunto, mas funcionam. Ora, Todo Mundo Quase Morto (2004) é uma inspiradíssima mistura de filme de zumbi com comédia romântica. Logan (2017) mescla história de super-herói com convenções do western. Hereditário (2018) é, ao mesmo tempo, um terror de roer as unhas e um forte drama familiar. E por aí vai, são muitos os exemplos por toda a história do cinema.
O terror O Sétimo Dia, produção disponibilizada no Amazon Prime Video, tenta fazer algo semelhante para injetar um sabor diferente na sua trama de possessão demoníaca. Mas, infelizmente, o resultado acaba sendo muito fraco. É preciso dizer que o diretor e roteirista Justin P. Lange e seus atores até se esforçam, tentando elevar o filme acima da média do terror genérico, mas o produto final é apenas isto, genérico. Apesar da interessante noção inicial de tentar uma mescla de gêneros.
POLICIAL COM SOBRENATURAL
Afinal, O Sétimo Dia começa como um buddy cop movie, aquele tipo de filme com dois parceiros – na maioria dos casos, policiais – que, a princípio, se estranham, mas precisam conciliar suas diferenças para resolver um caso. A história começa com o jovem padre Daniel (vivido por Vadhir Derbez), candidato a exorcista e recém-saído do seminário, sendo enviado para aprender as manhas do combate às forças do Mal com o veterano padre Peter (Guy Pearce).
A cena em que eles são reunidos pelo Arcebispo (Stephen Lang) e se conhecem é praticamente a mesma que vemos com frequência em filmes policiais, com os tiras sendo convocados e partindo para a missão. A diferença é que aqui alguns dos personagens usam batina. Afinal, igual ao número de crimes em filmes de ação dos anos 1980, as possessões demoníacas estão em alta por todo o país.
Então, pela primeira metade do filme, o que temos é praticamente um Dia de Treinamento (2001) sobrenatural, com o padre Peter ensinando o novato a encontrar demônios pelas ruas. A cena em que eles topam com um demônio disfarçado de assistente social lembra Constantine (2005), e o anti-herói de Keanu Reeves parece ter servido de leve inspiração para o personagem de Guy Pearce. Seu personagem xinga, é visto lendo quadrinhos num momento do filme, e sua barba por fazer e atitude rebelde é o material de que vários anti-heróis do cinema são feitos. Um ator sempre carismático – embora azarado, pois só tem aparecido em bombas ultimamente – Pearce rouba a cena aqui, o que não é difícil, visto que Derbez se mostra inexpressivo e sem força para carregar o filme.
Eles também começam a investigar o caso de um garotinho que matou sua família enquanto estava possuído. Chega a ser interessante acompanhar o longa nesses primeiros desdobramentos, pois a dinâmica policial prende um pouco de atenção. Claro, é um filme policial no qual os bandidos falam em voz gutural transmitida em Dolby Stereo, fazem caretas e levitam ocasionalmente. Mas a mistura de policial/terror é interessante, por um momento.
SEM INTENSIDADE, SEM SUSPENSE
Porém, quanto mais os personagens passam a falar grosso, mais se perde aquela dinâmica inicial e O Sétimo Dia começa a se tornar só mais um terror com temática demoníaca, com direito a vários clichês do tipo: criança possuída, tabuleiro de Ouija… É elogiável o fato do diretor Lange não exagerar nos truques baratos como jumpscares ou pessoas se contorcendo de maneiras absurdas – ele até cria um momento de fato perturbador na abertura do filme, com um personagem possuído exibindo um sorriso anormal. Mas é pouco: falta à sua história intensidade e um clima forte de suspense, ainda mais a partir da segunda metade.
É quando o roteirista Lange inclui um plot twist meio questionável – e ainda por cima previsível, pela maneira como a trama se encaminha – que leva o filme ainda mais para o território do clichê. Situações absurdas também começam a acontecer para fazer a trama funcionar.
E no fim das contas, seus personagens não têm vida o suficiente para carregar o longa como experiência emocional. Até mesmo tentativas de criticar a Igreja ou incluir na história subtextos de abusos por parte de sacerdotes não passam disso: tentativas, ideias jogadas na parede para ver se colam, mas que não são desenvolvidas.
Uma pena, pois, pelo menos, inicialmente, O Sétimo Dia prometia uma experiência um pouco diferente, devido à sua proposta de misturar gêneros. Mas, no fim das contas, um Hereditário não aparece toda semana, não é mesmo?