NO ADVOGADO DE DEFESA, A EQUIPE DO CINE SET SAI EM DEFESA DE FILMES QUE FORAM INJUSTIÇADOS PELA CRÍTICA EM GERAL OU PELO PÚBLICO – E QUE, À PRIMEIRA VISTA, PARECEM INDEFENSÁVEIS.

O cinema tem dessas. É uma indústria volúvel e muitas vezes imprevisível, afinal de contas, mexe com as emoções, sonhos e desejos de um inconsciente coletivo… e gasta uma grana alta para fazer isso. Como na vida, temos histórias de sucessos absurdos e repentinos (“A Bruxa de Blair”, alguém?) e temos fracassos que ressoam até hoje. Dito isto, pense que você está no início da década de 90 e está diante de um filme de ação dirigido pelo cara que fez “Duro de Matar”, escrito pelo cara que roteirizou “Máquina Mortífera” e estrelado pelo astro de filmes de ação mais quente do momento, Arnold Schwarzenegger. Tudo para dar certo, não? Pense de novo.

“O Último Grande Herói” é o tipo de filme que Quentin Tarantino faria se ele curtisse mais Steven Seagal que David Carradine. É um pastiche puro, que não se leva a sério em momento algum, e que apresenta uma das mais subversivas misturas de realidade e ficção da história dos filmes arrasa-quarteirão americano, mas é claro que basicamente todo mundo quis ver “Jurassic Park”, que estreou nos EUA uma semana antes, deixando esse filme como o primeiro grande tombo da carreira de Schwarz e como o grande filme de verão da década de 90 que todo executivo de estúdio queria esquecer.

A briga com “Jurassic Park” foi bastante trazida pela imprensa à época, que estava bastante afim de devorar o filme porque, na falta de melhor termo, ele se colocou para o abate de uma forma irresistível: um orçamento multiplamente estourado de quase US$ 85 milhões, muitas brigas internas, um roteiro mandado a diversos roteiristas para “acertos”, e uma campanha publicitária que só faltava dizer “Esse é o melhor filme de ação de todos os tempos”.

No entanto, é certo que o filme redondinho de Steven Spielberg é um clássico e que o roteiro de “O Último Grande Herói”, cuja versão final era um Frankenstein que mal lembrava seu conceito original, com sua ação sem sentido e diversos furos, tampouco ajudou, mas calma lá que isso ainda é um Advogado de Defesa.

Para começo de conversa, é claro que os bastidores influenciam a obra, mas se fossem essencialmente determinantes para a qualidade de um produto final, “Apocalypse Now” seria um dos piores filmes da história.

Além disso, ele ganha muitos pontos só pela premissa: garoto (Austin O’Brien), fã de uma série de filmes de ação protagonizada por um “tira durão” (Schwarz) entra em um filme de seu herói favorito e usa seus conhecimentos de fã para ajudá-lo a vencer um vilão comicamente clichê (Charles Dance).

O filme de ação que satiriza filmes de ação é uma proposta meta que funciona largamente pela familiaridade que o roteirista Shane Black tem com o material: ele adora o gênero, adora as estruturas do gênero e adora retorcê-las para criar efeito cômico (o que ele fez, de novo, em sua estreia na direção, “Beijos e Tiros”, de 2005).

John McTiernan, por sua vez, traz todo o ritmo que fez de “Duro de Matar” um sucesso na década anterior e o coloca a serviço de um filme que depende de velocidade extrema para funcionar. Como essencialmente não temos trama, temos que ser levados de uma cena de ação a outra de tal forma que não percebamos essa falha estrutural, algo que, pasme, é atingido.

Por mais que isso represente problemas quase intransponíveis em termos de narrativa, o filme fica mais interessante quando a inconsistência do roteiro e a falha dele em estabelecer diferenças entre o mundo real e o ficcional propõe a seguinte hipótese: nenhum dos dois é real. Estamos, acima de tudo, vendo um filme, e dentro dele existe outro filme, e os realizadores deixando as amarras dos dois tão soltas que vira uma brincadeira nos localizarmos dentro do longa.

E que brincadeira: são tantas referências a outros filmes (eu poderia passar as próximas dez linhas enumerando, sério), tantas pontas absurdas (Tina Turner como prefeita de Los Angeles, sério), enfim, tamanho abandono de coesão em troca de risadas metalinguísticas, que é impossível não se deixar envolver. Nesse sentido, “O Último Grande Herói” parece um protótipo do que “Assassinos por Natureza” (cujo roteiro foi originalmente escrito por Tarantino) faria anos depois, trocando todo o comentário social por pura comédia.

Em um determinado momento do filme, Ian McKellen aparece interpretando a versão da Morte vista em “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman, e questiona o garoto protagonista do filme sobre a solução para o problema que o aflige. Diante do desespero do garoto em não vê-la bem diante dos seus olhos, ele dá uma dica a ele e comenta, risonho: “Você é muito valente, mas não é muito esperto!”. “O Último Grande Herói” é um filme que brinca com nossa dita esperteza, com o que esperamos ver em um filme, e com as estruturas dessa fábrica de sonhos chamada cinema.