Com uma estética imersa no realismo fantástico, “O Último Trago” mistura e brinca com gêneros cinematográficos enquanto apresenta a vida no sertão cearense. A narrativa se constrói em três atos alinhados pela violência, a fantasia e o folclore nordestino. Tais características ganham mais força pelo momento de lançamento da obra, expandindo seus discursos e conceitos.

O fato é que o filme dirigido pelos irmãos Pretti (Luiz e Ricardo) e Pedro Diógenes carrega um viés político forte, embora se perca, em certos momentos, nas simbologias discutidas. “O Último Trago” não é um filme fácil de ser assimilado, principalmente pela escolha de construção narrativa – a qual opta a cada novo segmento ressignificar o que fora mostrado anteriormente – abrindo caminhos para novos olhares e entendimentos. A montagem de Clarissa Campolina aproxima as alegorias da realidade cotidiana.

A história parte do resgate de uma mulher ferida na beira da estrada, que incorpora o espírito de uma guerreira indígena. Isso desencadeia uma série de eventos que perpassam o tempo e o espaço constantemente ligados à revolução, luta e esperança de mulheres brasileiras. O roteiro assinado pelos três diretores acompanhados por Francis Vogner aborda a violência às minorias – especialmente mulheres – por diferentes abordagens. Enquanto nos dois atos iniciais, a agressão é quase imperceptível, ela explode no terceiro ato e chega a sufocar diante do diálogo mais proeminente do filme: “a catástrofe é uma realidade”.

É neste ritmo que o roteiro evoca a História – sim, aquela com “H” – que não é contada pelo lado vencedor. E impacta pela obra ser capaz de abordar essa questão ainda muito frágil para uma nação com mais de meio século de idade. “O Último Trago” transforma páginas amareladas e esquecidas em ato político e tudo isso com tom onírico e burlesco.

Entretanto, a produção perde por apenas permitir que sua verve alcance o tom político no ato derradeiro. Relegando a este a noção definitiva da discussão sobre os assassinatos contra mulheres ao longo da história do Ceará. O que, infelizmente, casa com a narrativa da nação. O interessante é que, para discorrer sobre isso, a obra recorra a alegorias e representações visuais muito bem orquestradas por Ivo Lopes Araújo, que assina a fotografia do longa-metragem.

A fotografia, aliás, distancia e aproxima público e personagens. Há planos muito abertos que destacam a rudeza do sertão nordestino e simbolizam a solidão do homem do agreste. Paralelamente, ela cria quadros vivos, como verdadeiras obras de arte presentes em museus. Especialmente, no segundo ato, quando o bar de Vicente, e tudo que acontece em seu entorno, ressoa como um filme de terror.  Neste ponto, a cinematografia aumenta o contraste, apresentando os personagens na penumbra. O vermelho é outra cor que se destaca e aponta para o último ato e as motivações empregadas na narrativa.

 “O Último Trago” passeia entre o faroeste e o musical, o naturalista e o delirante, o devaneio e a realidade, para denunciar a violência que foi e ainda permanece.  Como já diria em seus diálogos: “os vivos pedem vingança. Os mortos minerais e vegetais pedem vingança. É a hora do protesto geral”.