Quais narrativas podem tomar forma no banheiro feminino de uma fábrica? Assinando a direção do seu primeiro curta-metragem, Nina Kopko (assistente de direção de “A Vida Invisível”) explora essa pergunta em “Chão de Fábrica” ao reunir mulheres com perspectivas diferentes para retratar questões tidas como generalistas no contexto feminino fabril, porém de uma maneira segura, sensível e, de certa forma, necessária.

A história se passa em 1979, no contexto das greves no ABC Paulista. Acompanhamos quatro mulheres (Alice Marcone, Helena Albergaria, Carol Duarte, Joana Castro), durante seu horário de almoço, presas a um banheiro, onde descansam, fumam, trocam experiências e discutem imperceptivelmente um futuro político. Pela rádio, que uma delas escuta, sabe-se que Lula já figura como uma referência nas discussões da classe operária. Kopko, contudo, se preocupa – e atém-se – em mostrar o percurso feminino e sua importância nesse período.

Na contramão do sistema fabril

Para essa construção, o roteiro é disposto de forma a identificarmos suas personagens ao mesmo tempo em que elas se descobrem como iguais. Suas histórias são desconhecidas, apesar da convivência diária, fato que as aproxima do atual cenário capitalista em que os regimes trabalhistas criam um ambiente passivo-agressivo e diluído que interfere diretamente nas relações sociais estabelecidas. Embora beba dessa fonte, “Chão de Fábrica” busca uma abordagem mais intima e feminil, que parte na contramão desse sistema.

Conforme a trama avança e os pontos de vista de cada personagem são apresentados, percebe-se que Kopko debruça-se em discutir a esperança contida pela condição feminina no sistema fabril. O anúncio constante da greve vindoura, indica também uma interrupção do aprisionamento cômodo em que as protagonistas se encontram. Seus corpos, gostos e perspectivas diferentes encontram, por meio do prenúncio de insubmissão, voz e espaço para serem ouvidas.

Um espaço para discutir condições

A câmera de Anna Julia Santos passeia por elas com um olhar delicado sob seus corpos, opiniões e experiências, atenta ao que cada uma pretende falar. Apesar da trama se passar em um lugar único e pequeno como o banheiro, o espaço se torna exuberante ao ser dimensionado para o campo do imaginário, que encontra abrigo diante das perspectivas de presente e futuro. O uso da narração em off para saber como suas jornadas se desenvolverão é um artifício criativo, bem executado e pé no chão; auxiliando na discussão central da narrativa: o papel feminino na história industrial brasileira.

Embora o termo acima seja um lugar comum academicista, vejo como a forma mais naturalista de expressar a situação das operárias. Não é à toa que o filme utiliza do ser mulher para contar a narrativa de greves no ABC paulista. Historicamente, a movimentação das operárias foi importante para aquisição de direitos e lembretes, seja com a marcação de datas como o dia internacional da mulher e o dia das mães seja a conquista do voto. No contexto de “Chão de Fábrica”, isso se mostra com os diálogos que demarcam o desejo de participar do movimento grevista e, também, acentuam as pautas vistas como exclusivamente femininas – e que não são –  como a ventilação de banheiros, o direito a creche e a busca por voz sindical.

Kopko é sagaz ao utilizar esse contexto para explorar a invisibilidade política que ronda a mulher brasileira, as imagens durante os créditos finais atestam isso. Apesar do último censo do IBGE* apontar que o quantitativo de mulheres é superior ao de homens no Brasil, é inegável o quanto isso não é visto no processo político, tanto em funções de confiança, quanto em cargos eletivos. As discussões e conformismos levantados no banheiro de “Chão de Fábrica” salientam essa situação e oferecem uma premissa de seu desenrolar, seja com a participação massiva ou o distanciamento político.

Ao navegar pela história e perspectivas dessas quatro mulheres, Nina Kopko entrega um olhar sensível, íntimo, carregado de significados e emoções que falam sobre a jornada feminina no Brasil e nos desconforta diante da precariedade política e trabalhista que o país se encontra, oferecendo uma perspectiva para o trabalhador braçal do chão de fábrica.

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