Para muitos cinéfilos, as semanas pré-Oscar são sinônimo de maratona para conseguir assistir a todos os indicados possíveis e fazer suas apostas. Mas se às vezes já é difícil encontrar os filmes que concorrem nas categorias principais, imagine conseguir ver os indicados às categorias mais “exóticas”, como os documentários, curtas-metragens e afins. A novidade deste ano, felizmente, é que alguns desses filmes estão bem mais acessíveis: dos cinco indicados a Melhor Documentário no Oscar 2016, quatro já podem ser vistos no catálogo do Netflix. Por isso, o Cine Set traz um breve panorama dos indicados na categoria, para você conferir e escolher o seu favorito junto com a gente.

Amy e What Happened, Miss Simone?: gigantes da música e tragédias pessoais

Único dos indicados a estrear em circuito comercial no Brasil (inclusive em Manaus, em algumas sessões isoladas), além de ter passado pelo Festival É Tudo Verdade, Amy foi o mais recente da lista a entrar na grade do Netflix, no dia 1º de fevereiro. O filme busca mergulhar na vida e carreira da cantora de jazzsoul Amy Winehouse, que sucumbiu à morte por overdose aos 27 anos, mesma idade simbólica de tantos outros astros antes dela.

O longa de Asif Kapadia (também responsável por Senna, de 2010), acompanha a história de Amy principalmente de um ponto de vista emocional, jogando o espectador diretamente no mundo da cantora por meio de diversos filmes caseiros e depoimentos de amigos próximos, parentes e colegas de trabalho. O resultado é uma espécie de “crônica de uma morte anunciada”, em que acompanhamos o auge da carreira de Amy, seus problemas em lidar com o estrelato, os efeitos nocivos da mídia de celebridades e de seu próprio pai em sua vida e a subsequente queda no vício das drogas. O filme pode ser visto aqui (dica: adquira uma caixa de lencinhos para acompanhar a sessão).

Leia na íntegra a nossa crítica de Amy

What Happened, Miss Simone?, uma produção original do Netflix (que consegue aqui sua terceira indicação consecutiva ao Oscar de Melhor Documentário), embarca na vida da diva da música negra Nina Simone, sob a batuta da diretora Liz Garbus. Também fazendo uso de uma vasta pesquisa, por meio de vários documentos, depoimentos e até mesmo trechos íntimos do diário de Nina Simone, Garbus relembra pontos essenciais da trajetória da cantora, em especial sua forte ligação com o cenário de ativismo pelos direitos civis dos afro-americanos.

O cerne emocional aqui fica por conta da própria música de Simone, que não se esquivava de usar seus talentos e pôr a carreira em risco em prol das causas em que acreditava – e acabou, de certa forma, pagando o preço por isso. Embora nem sempre Garbus acerte em tratar alguns temas importantes – como a discussão sobre violência doméstica que a cantora sofria e seu distúrbio bipolar –, o documentário já vale simplesmente por encarar a figura mítica e imponente da diva e sua rica trajetória. Assista aqui.

Leia também a crítica de Susy Freitas para What Happened, Miss Simone?

Cartel Land e Winter on Fire: marcas da guerra, revoluções e lutas de poder

O Netflix conseguiu encabeçar uma indicação dupla este ano, se consolidando cada vez mais com suas produções originais: além do filme sobre Nina Simone, a plataforma de streaming conseguiu garantir uma vaga também para Winter on Fire entre os indicados à estatueta dourada. Assim como The Square (2013), outro doc do Netflix, indicado ao Oscar de 2014, se concentrava na luta dos egípcios contra um governo opressor, Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom acompanha a onda de protestos que começaram na Ucrânia no fim de 2013, no movimento conhecido como Euromaidan.

O longa, dirigido por Evgeny Afineevsky, se utiliza de registros feitos na época dos protestos, que denunciam a violência repressora da polícia de maneira chocante, além de contar com depoimentos de manifestantes que fizeram parte do movimento. De forma didática, mas que nunca soa cansativa ou excessiva, o filme recorre também com frequência a gráficos e contextualizações que ajudam a situar o espectador. Não que a visão de Afineevsky seja imparcial, pois ela bem passa bem longe disso: com exceção dos créditos finais, por exemplo, não há menção alguma aos separatistas pró-russos e apoiadores do governo do presidente Viktor Yanukovich, já que o documentário claramente se posiciona a favor dos manifestantes que defendem a integração à União Europeia – e até apela para uma trilha sonora heroica em alguns momentos. De qualquer maneira, só a discussão sobre violência policial já seria o suficiente para fazer valer a pena a conferida. Veja aqui.

De uma maneira um tanto diferente, o povo também se levanta e vai às armas em Cartel Land, de Matthew Heineman, que embarca numa perigosa produção sobre a guerra do narcotráfico na fronteira México-EUA. Heineman tenta costurar duas histórias diferentes: a revolta popular iniciada pelo mexicano José Manuel Mireles (“El Doctor”) na província de Michoacán, que acaba tomando proporções maiores e descontroladas e gerando um exército independente mancomunado com o próprio tráfico; e a luta de um grupo paramilitar norte-americano independente liderado por Tim Foley, que resolveu fazer justiça com as próprias mãos e se dedica a combater os traficantes na fronteira com o Arizona.

A tentativa de traçar um paralelo entre as duas histórias nem sempre dá certo, especialmente porque Heineman se concentra muito mais na narrativa de Mireles e seu exército mexicano. A denúncia sobre a corrupção do poder no México e toda a complexidade do cenário de combate ao crime organizado no país, porém, são enriquecidas pelos próprios riscos que o diretor sofre nos momentos das filmagens – o suficiente para levar o espectador a suas próprias conclusões. O filme conta com a assinatura de Kathryn Bigelow (Guerra ao Terror, A Hora Mais Escura) na produção e pode ser assistido aqui.

Fora do circuito: O Peso do Silêncio

O único dos indicados a não estar no catálogo da gigante do streaming, O Peso do Silêncio pode ser encontrado pelo menos por quem tem acesso à iTunes Store norte-americana: o filme está disponível para aluguel e compra em formato digital por lá. Para quem não tem acesso, o longa ainda não tem previsão de exibição em nenhum serviço de streaming ou em circuito comercial.

ATUALIZAÇÃO (27/06): Tanto O Peso do Silêncio quanto O Ato de Matar já estão disponíveis no catálogo da Netflix, aqui e aqui, respectivamente.

No filme, também explorando os efeitos de um governo opressor e as marcas de uma guerra sobre a qual ninguém quer falar, o diretor Joshua Oppenheimer continua suas denúncias sobre o genocídio praticado pelos militares na Islândia. Se em seu documentário anterior, O Ato de Matar (2012), sua perspectiva era macro, pondo em cena os próprios militares justificando e reencenando seus assassinatos, a jornada nesta continuação é muito mais íntima, e parte de Adi, irmão de uma das vítimas. Colocando os assassinos de seu irmão contra a parede, Adi proporciona uma narrativa tensa e impactante, que ilustra o quanto há de não dito na história islandesa. O resultado é ainda mais corajoso quando lembramos que o governo responsável pelas tais atrocidades ainda é o mesmo que domina o país atualmente – e ver a família de Adi convivendo com as marcas do horror em silêncio é de uma profunda e tocante melancolia.

Quem vai vencer?

Apesar de todos os indicados manterem um mesmo nível de qualidade e de reconhecimento de crítica e premiações mundo afora, Amy parece se posicionar mais à frente: além de seu óbvio apelo comercial maior e o fato de poder arrancar lágrimas com facilidade, o documentário de Kapadia já levou o prêmio do PGA, escolhido pela guilda dos produtores dos EUA (e que votam no Oscar), além de outros prêmios como o National Board of Review e Los Angeles Film Critics e ter arrancado até mesmo indicações póstumas para Amy Winehouse em premiações musicais.

ATUALIZAÇÃO: Amy na cabeça, acerte no bolão!

Por outro lado, Cartel Land foi um dos destaques do Festival de Sundance e recentemente conquistou a estatueta de Melhor Direção de Documentário no DGA, prêmio da associação dos diretores de Hollywood, também votantes do Oscar. A briga deve ficar acirrada principalmente entre os dois títulos. Atrás deles, com menos força, vem O Peso do Silêncio, que conquistou prêmio de júri em Cannes e seria também a oportunidade de a Academia reconhecer Joshua Oppenheimer em compensação por ter ignorado O Ato de Matar.

O resultado? Só saberemos no dia 28 de fevereiro, durante a premiação – que contará com cobertura em tempo real do Cine Set, mais uma vez. 😉

Bônus: Indicados a Melhor Documentário em Curta-Metragem

Geralmente ainda mais difíceis de serem encontrados do que os longas, alguns dos indicados a Melhor Documentário em Curta-Metragem deste ano também já podem ser assistidos por quem conhece ~certas gambiarras~ e tem acesso ao catálogo do Netflix americano. Chau, Beyond the Lines, de Courtney Marsh, está disponível na grade aqui, assim como Last Day of Freedom, de Dee Hibbert-Jones e Nomi Talisman, aqui. Já Body Team 12 ganha estreia na HBO gringa no dia 14 de março, bem como Claude Lanzmann: Spectres of the Shoah e A Girl in the River: The Price of Forgiveness, em datas ainda a serem confirmadas.