Com este quinto filme, A Vingança de Salazar, a franquia Piratas do Caribe, como Transformers e A Era do Gelo, torna-se não só difícil de justificar, mas também incômoda: a sanha da Disney em continuar explorando a familiaridade e a nostalgia dos espectadores (afinal, já se pode dizer que muita gente cresceu com Jack Sparrow e companhia), ao custo de repetir fórmulas e tornar as histórias escadas cada vez mais mirabolantes para as sequências de correria e explosões em 3D, está acabando com o charme (ou o que restou dele) dos personagens, bem como as boas lembranças inspiradas pelo primeiro filme.

E olhe que, ao menos para este escriba, que não nutre nenhuma simpatia pelos últimos três capítulos, Vingança é o Piratas mais palatável desde A Maldição do Pérola Negra (2003). Talvez por se apoiar tão fortemente neste último: os diretores do filme, os noruegueses Joachim Rønning e Espen Sandberg (de A Aventura de Kon-Tiki [2012], outro saboroso filme náutico), afirmaram em entrevistas que sua intenção era resgatar o tom mais simples e francamente divertido do primeiro filme. Se é verdade, a meta não foi inteiramente cumprida: Vingança é só um pouco menos confuso que os últimos capítulos, talvez por deixar os planos “respirarem” um pouco mais, sem o frenesi de Gore Verbinski e Rob Marshall; e seus melhores momentos continuam sendo os que se apoiam nas premissas desenvolvidas naquele primeiro filme.

Desta vez, Jack Sparrow (Depp, cada vez mais repetitivo e caricato no papel) está mais por baixo do que nunca. Após perder o prestígio, a tripulação e até o navio, ele se desfaz de uma poderosa relíquia: uma bússola que aponta para o local onde se esconde o Tridente de Poseidon, um artefato mágico, que tem o poder de desfazer todas as maldições marítimas. A “traição” à peça desperta o capitão Armando Salazar (Javier Bardem, de Onde os Fracos Não Têm Vez), um morto-vivo cujos únicos interesses são matar Jack e retornar à sua condição de humano. Com a ajuda de Henry Turner (Brenton Thwaites, de O Doador de Memórias), o filho de Will e Elizabeth, vividos por Orlando Bloom e Keira Knightley nos primeiros filmes da série, e de Carina Smyth (Kaya Scodelario, da saga Maze Runner), uma órfã acusada de bruxaria pelo desempenho brilhante em ciências, Depp tem de suar para reaver a bússola, antes que ela caia nas mãos de Salazar.

Esse resumo se limita apenas aos personagens mais importantes, mas há dezenas deles, desde o velho antagonista de Jack, o capitão Hector Barbossa (Geoffrey Rush, o único elemento satisfatório em todos os filmes) até os membros menos famosos da tripulação de Sparrow, dos quais a produção se aproveita em breves respiros cômicos. O excesso de personagens e subtramas, uma característica (melhor seria dizer uma chaga) da série desde o pretensioso, barulhento e oco O Baú da Morte, continua a afligir os que estão interessados em mais do que correria e frases de efeito, mas o elenco continua a ser a única razão para se assistir à saga – nesse sentido, A Era do Gelo e principalmente Transformers estão há muito vendo seus navios afundarem de vez.

Scodelario é carismática e até espirituosa ao enfrentar algumas cenas constrangedoras, como o resgate do cadafalso por Henry, e Rush é sempre um prazer na pele do pitoresco Barbossa. Bardem, como sua esposa Penélope Cruz em Navegando em Águas Misteriosas, ou outros convidados de prestígio da saga, como Chow Yun-Fat e Bill Nighy, não tem muito a fazer como Salazar, apesar do talento já comprovado para a vilania. E a tão comentada aparição de Paul McCartney, well, é tão rápida que você pode nem perceber. As cenas de ação também não se destacam, como a tediosa perseguição dos tubarões-zumbis ou o interminável assalto a banco da abertura – produtos da irritante obrigação de oferecer trecos voando pela tela, para se vender como 3D. O CGI é impecável, como se esperaria de uma produção desse vulto, mas tão desinteressante quanto os excessos de Dr. Estranho ou da série Alice, outra saga caça-níquel e inchada da Disney.

Apesar disso, é um alívio poder acompanhar o que se passa na tela, graças aos planos mais comedidos de Rønning/Sandberg. O design de produção também continua superlativo nos figurinos e ambientações. E, o mais importante, ainda resta algo daquele prazer peculiar em se acompanhar piratas toscos, travando duelos de sabres e canhões, se encharcando de rum e tramando ardis para tomar os navios uns dos outros. Pena que a saga Piratas não tenha investido mais nesse prazer básico, preferindo “adensar” suas tramas com roteiros complicados e confusos, e aparentar seus duelos modestos no mar ao gigantismo épico dos filmes de fantasia à Senhor dos Anéis. Ainda há uma aventura competente e com resquícios do charme do filme que começou tudo – um saldo muito pequeno, e não o suficiente para que a saga de Sparrow continue a singrar pelas telas misteriosas.